A Fé Que Controla O Temperamento
“Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar”. (Tg 1:19)
De acordo com alguns eruditos, o trecho de Tiago 1:19-20 ensina o modo como o cristão deve lidar com a palavra de Deus, que é o assunto principal do contexto próximo, ou seja, os versículos anteriores e posteriores, em que a “palavra” é enfatizada (Tg 1:18, 21-25). Segundo esse ponto de vista, Tiago estaria “estimulando seus leitores a estarem prontos a ouvir a palavra de Deus, sendo tardios em se tornarem mestres dela”. Se o versículo dezenove terminasse com a expressão tardio para falar, não haveria nenhum problema em se aceitar esta interpretação. Mas o versículo dezenove prossegue.
Assim, como é possível encaixar o tardio para se irar nessa idéia? Não há como. O melhor a se fazer, então, é admitir que neste trecho, Tiago trata de outro assunto: o cuidado no ouvir, falar e sentir. Isto está de acordo com o contexto histórico dos leitores da epístola, que enfrentavam momentos tempestivos e angustiantes, por causa do evangelho. Em tempos de instabilidade, precariedade, provocação e perseguição facilmente as pessoas perdem o controle emocional. Sabendo disso, Tiago, então, alerta os irmãos da Igreja da época: … sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.
I – ENTENDENDO A MENSAGEM
Tiago começa a sua exortação dizendo: Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Há, aqui, duas expressões que merecem explicação. A primeira: sabeis estas coisas. Trata-se de uma forma de expressão que “reclama importância para o que vai ser dito. Ele deseja toda a atenção de seus leitores, pois é fundamental para a vida deles o que vai ser dito” [1]. A segunda é: meus amados irmãos. Duas outras vezes, Tiago usa esta expressão na epístola (Tg 1:16, 2:5). Ela sugere o carinho, a estima, o cuidado, o respeito do escritor pelos leitores. Nota-se que, ao orientar os crentes em Jesus, Tiago não se mostra nem impessoal nem grosseiro. O seu ensino é banhado pela ternura.
Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar, prossegue o escritor da epístola. Para quem está sob pressão, não existe orientação mais apropriada. Em primeiro lugar, ele mostra que se deve estar pronto para ouvir. No grego, “pronto” é uma palavra conhecida: “tachys” [2], de onde veio “táxi” – veículo utilizado por quem está com pressa. “Tachys” significa rápido, ligeiro [3]. Quem usa um táxi está com pressa. Ao usar este termo, Tiago ensina um valioso princípio aos leitores da sua epístola: se alguém quer lhes falar, eles devem colocar, de maneira rápida, os seus ouvidos de prontidão.
Tiago sabia que quem passa por crises, muitas vezes, não se dispõe a ouvir; quer apenas falar; fala o tempo todo com agitação e, o que é pior, sem reflexão, o que causa inúmeros estragos relacionais e emocionais; deixa, portanto, de escutar as histórias de aflição dos outros, para narrar a sua própria, como se apenas esta fosse digna de ser registrada e conhecida. Mas esta não é a atitude correta. Ouvir é preciso! O livro de Provérbio, o livro da Bíblia que mais incentiva o ouvir (Pv 1:8, 4:10, 13:1, 19:20, 20:12, 22:17, 23:19), diz que a palavra da pessoa que costuma ouvir bem as coisas será aceita (Pv 21:28 – NTLH).
Quando nos dispomos a ouvir, nós nos tornamos ainda mais parecidos com Deus, que não somente é o Deus que fala, mas também é o Deus que ouve. Os seus ouvidos estão sempre abertos e atentos às orações dos justos (Is 59:1; I Pe 3:12). Ele está sempre pronto a ouvir o clamor dos injustiçados (Gn 4:10), dos abandonados (Gn 21:7), dos escravizados (Êx 3:7), dos angustiados (II Sm 22:7), dos arrependidos (II Cr 7:14). O próprio Tiago deixa isto muito claro, ao dizer que os clamores dos ceifeiros penetraram até aos ouvidos do Senhor dos Exércitos (Tg 5:4b). Se Deus é quem ouve o clamor com paciência, o seu povo, de igual modo, deve sempre estar pronto a ouvir o clamor dos que sofrem, em qualquer assunto e a qualquer tempo.
Em segundo lugar, Tiago exorta a todo crente em Jesus a ser tardio para falar. A palavra traduzida por “pronto” é “bradys” [4], que também significa demorado, retardado, vagaroso, lentidão. É isso que Tiago espera dos seus leitores: lentidão no responder. Ao serem provocados, não devem responder imediatamente ou impulsivamente. Se o fizessem estariam causando incontáveis e irreversíveis estragos, pois ele sabia que as pessoas corretas pensam antes de responder; as pessoas más respondem logo, porém as suas palavras causam problemas (Pv 15:28 – NTLH). Era necessário, portanto, haver um controle das palavras.
De todas as cartas do Novo Testamento, a de Tiago é a que mais orienta o crente em Jesus sobre os riscos de falar apressada e excessivamente. Após ordenar ao cristão ser tardio para falar, ele afirma que se alguém se considera religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo. Sua religião não tem valor algum! (Tg 1:26 – NVI). No terceiro capítulo da epístola, ele mostra de modo claro, os prejuízos e os estragos que as palavras descuidadas e precipitadas que proferimos podem provocar nas pessoas (Tg 3:1:12).
Em terceiro lugar, Tiago ensina que o crente deve ser também tardio para se irar. Novamente, temos o termo grego “bradys”. Os crentes da dispersão tinham razões de sobra para se irarem. Por conta de freqüentes perseguições, humilhações, julgamentos e provocações, aquela geração estava em constante desgaste emocional. Em tempos assim, quando sonhos são frustrados e os planos são destruídos, é muito fácil reagir com ira. Esta reação, porém, afirma Tiago, em nada agrada a Deus: a raiva humana não produz o que Deus aprova (Tg 1:20 – NTLH). Em outras palavras: a ira pode levar o cristão ao pecado!
Por várias vezes, livro após livro, a Bíblia deixa claro que a ira faz parte do caráter de Deus. A Concordância Bíblica, editada pela Sociedade Bíblica, com base na Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Tradução de João Ferreira de Almeida, alista 309 versículos referindo-se à ira de Deus! É este atributo que faz com que Deus deteste tudo que se opõe ao seu caráter santo. É bom que se diga que, sem este atributo, Deus deixaria de ser completamente justo e o seu amor degeneraria em sentimentalismo. O que Deus seria se não detestasse o pecado?
A Bíblia ensina que Deus é tardio em irar-se (Ne 9:17; Sl 145:8; Jl 2:13; Jn 4:12; Na 1:3). Deus é paciente com os justos e com os iníquos. Ao invés de logo punir os pecadores, ele lhes dá tempo para se recuperarem e se arrependerem dos seus pecados. Por ser Deus tardio em irar-se, hoje, temos fé em Jesus, que nos livra da ira vindoura (I Ts 1:10; Rm 5:10). Se Deus é tardio em irar-se com as desobediências e provocações dos seus filhos, estes não deveriam de igual modo, ser tardios em se irarem com os outros, quer sejam justos ou ímpios? Um bom exemplo para ilustrar essa questão é a parábola do credor incompassivo (Mt 18:23-35).
II – APLICANDO O CONHECIMENTO EM NOSSA VIDA
O controle do temperamento envolve o saber ouvir – Temos um desejo natural de falar das pressões e aflições que nos asfixiam o coração. Ansiamos intensamente encontrar pessoas que nos escutem, sem interrupções e recriminações. Mas poucos se dispõem a nos ouvir. Por quê? Porque ouvir outro exige disponibilidade, desprendimento, sensibilidade e concentração. Saber ouvir exige que façamos opção consciente em apreender e entender o que se passa com o outro, de forma solidária e paciente, com o objetivo de buscarmos o entendimento. Talvez por esta razão, em nossa cultura, o ouvir com plena atenção seja um aspecto muito negligenciado nas comunicações interpessoais.
Comumente, as pessoas são treinadas e educadas para falar. Faz-se curso para falar. Valoriza-se quem fala bonito. E o ouvir bonito? Que estranho! Quem já ouviu falar em curso para saber ouvir? Você dirá: nunca! Como seria proveitoso e edificante se nos dispuséssemos a ouvir as pessoas que nos procuram, muitas vezes, com inquietações e desesperos interiores! O maior incentivo que se pode dar a quem está sob aflição é ouvi-lo. Isso faz com que quem está sendo ouvido se sinta valorizado, prestigiado e importante. Assuma, hoje mesmo, o compromisso de falar menos e ouvir melhor. Aprender a ouvir o outro é um dos modos mais eficazes de se fazer amigos.
O controle do temperamento envolve o saber falar – Às vezes, quando duas pessoas estão tentando discutir pontos de vista opostos, uma delas demonstra grosseria e impaciência, interrompendo a outra repetidamente. Isto ocorre porque o “desejo de replicar” é mais forte do que o “desejo de escutar”. De repente, ambas se alteram e se zangam. É aí que mora o perigo. Pessoas zangadas expressam valores e conceitos dos quais muito se arrependem posteriormente, quando a calma sobrevém. Mas, muitas vezes, esse arrependimento não é suficiente para remediar e consertar os estragos causados na outra pessoa.
Sem dúvida, a palavra falada ou escrita é importante instrumento de comunicação interpessoal. Os que a utilizam bem sustentam amizades, aproximam pessoas, promovem consolo, despertam unidade, facilitam comunhão. Os que a utilizam mal, todavia, provocam discórdias, semeiam contendas, destroem famílias, produzem feridas, despertam amarguras – que você diz pode salvar ou destruir uma vida (Pv 18:21 – NTLH). Enfim, quem fala muito, peca muito (Pv 10:19). Quem serve a Deus, deve controlar com cuidado as suas palavras, pois o que guarda a boca conserva a sua alma, mas o que muito abre os lábios a si mesmo se arruína (Pv 13:3).
O controle do temperamento envolve o saber sentir – Vivemos cercados de situações estressantes, que deixam as pessoas irritadas, inflamadas, nervosas, zangadas e explosivas. Por coisas fúteis, muitos se ofendem, se xingam e se agridem, se ferem. São pessoas que parecem carregar uma carga de dinamite debaixo dos braços. Ao menor sinal de divergência, detonam a carga explosiva e, sem cerimônia, mandam tudo para os ares. O problema é que, na explosão da ira, elas jogam estilhaços para todos os lados. Com isso, acabam enfrentando diversos problemas na família, no trabalho, na escola, no trânsito.
Outros guardam a ira, levam-na para seu interior. Por fora, parecem calmas, mas, por dentro, ficam com um vulcão em efervescência, cujas lavas queimam e acabam com tudo por dentro. Tornam-se pessoas deprimidas, angustiadas, amarguradas, preocupadas. O preço físico cobrado pela ira também é alto. São muito comuns as dores nas articulações, artrite, doenças cardíacas e úlceras. A adrenalina liberada sistematicamente, durante anos a fio, cobra o seu preço na idade adulta e na meia idade, e, muitas vezes, rouba o direito a uma velhice tranqüila. Diante disso, o melhor mesmo é seguir o conselho da palavra de Deus: Meus amados irmãos tenham isto em mente: sejam todos (…) tardios para irar-se.
CONCLUSÃO
O ouvir atento é sinal de respeito e afeto para com quem estamos falando, pessoa igual a nós e filha do mesmo Pai espiritual. Nada há tão excelente do que ouvir alguém, com atenção e propósito de entender e compreender o que essa pessoa nos quer passar. Fale sempre palavras que sirvam de edificação, tanto para você quanto para aqueles que lhe ouvem.
Por fim, nunca deixe que a ira o faça pecar. As perdas para quem se deixa dominar pela ira são grandes. Debaixo de uma ira, liberamos palavras desnecessárias, como vimos. Não fique com raiva, não fique furioso. Não se aborreça, pois isso será pior para você (Sl 37:8). Deixe-se conduzir pelo Espírito Santo, que tem poder para desenvolver, em nosso caráter, o domínio próprio. Não se deixe governar pela ira, mas governe-a. Em situações desgastantes, seja longânimo: Melhor é o longânimo do que o herói da guerra, e o que domina o seu espírito, do que o que toma uma cidade (Pv 16:32).