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ToggleTEXTO DISCUTIDO NO CURSO DE HISTORIA DA FILOSOFIA, MINISTRADO PELO PR JOSIAS MOURA NO STEC – SEMINARIO TEOLOGICO CONGREGACIONAL
1. Uma grande frustração: os avanços em várias áreas foram insuficientes para produzir um mundo edênico.
O otimismo da era moderna, sua confiança em que a ciência, a tecnologia e o progresso, impulsionados por um ser humano autônomo, sob o reinado soberano da Razão, produziriam um mundo edênico, isso decepcionou a todos. A primeira guerra mundial deu um golpe mortal no projeto moderno. Stalin na Rússia e Hitler na Alemanha deram os últimos toques em seu sepultamento. Filósofos e escritores como Derrida, Camus, Sartre e Rorty, entre outros, deram o seu atestado de óbito, enquanto que artistas, arquitetos e sociólogos começaram a entronizar o seu sucessor.
O projeto moderno de estabelecer uma cultura global, com uma base objetiva e racional para toda ação humana, sem o impedimento da religião ou de qualquer outro ponto de vista "subjetivo", não científico, demonstrou ser tão somente um ideal inalcançável e insatisfatório.
2. Os avanços científicos na compreensão do cosmos foram insuficientes para estabelecer a paz mundial
A esperança de que "através da razão os seres humanos poderiam entender o cosmos, estabelecer a paz social e melhorar a nossa condição"2 converteu-se num pesadelo revelador de que o progresso nos escapou das mãos e, no seu progresso, vai deixando uma seqüela de problemas ainda maiores do que os que pretendia resolver.
"Nos últimos cinqüenta anos, a nossa capacidade produtiva e a nossa experiência desenvolveram-se astronomicamente, mas a rigidez de nossos problemas aumenta proporcionalmente."3
3. A confiança na ciência e tecnologia não foram suficientes para gerar otimismo
Até mesmo a confiança de que a ciência e a tecnologia produziriam a cura infalível das nossas doenças sociais e existenciais se decompuseram num pessimismo cada vez mais crescente.
Todos os pilares do projeto moderno mostraram ser somente colunas ocas, com uma pintura dourada. Alexander refere-se a isso ao dizer que "a tragédia da modernidade é que não temos nada que mereça adoração; o absurdo da modernidade é que, de todas as formas, vamos e adoramos."4
As promessas de que as idéias de Progresso, de História e da Razão manteriam-se elevadas com indiscutível prestígio e credibilidade começaram a deixar transparecer o osso por baixo do seu sangue.
4. Mesmo com toda a influência da razão e inúmeros os avanços produzidos por ela, o nosso século continua a testemunhar as mais impressionantes carnificinas.
Com efeito, em meio à festa da Razão e da credibilidade imensa em suas possibilidades, o século XX presencia as mais impressionantes carnificinas humanas de que se tem notícia, com o emprego intensivo de todos os recursos técnicos, e com um fundo musical de obras clássicas. A Razão bebia sangue também e, como qualquer fera, organizava e refinava a festa de sangue e, como se não bastasse, a racionalizava e a enchia de justificações históricas.
Às portas do século XXI, a humanidade observa que muito mais da metade do mundo empobrecido morre de miséria diante da mais impressionante opulência, que a água se contamina e que dela há falta, que os mares se poluem, que a capa de ozônio se destrói, que os bosques e a fauna são quase imaginações fantásticas dos contos das vovós.5
5. Diante do vazio da modernidade, aparece o pós modernismo
E aqui, diante do vazio que a modernidade deixou ao desmoronar-se, que aparece o pós-modernismo. "A chegada do pós-modernismo poderia ser descrita como a perda de entusiasmo pelas convicções básicas do modernismo."6
Os Guinness descreve a relação entre os dois da seguinte maneira:
“Ao passo que a modernidade era um manifesto de auto-suficiência humana e de autogratificação, o pós-modernismo é uma confissão de modéstia e até de desesperança. Não há "verdade", há apenas verdades. Não existe a razão suprema, somente há razões. Não há uma civilização privilegiada (nem cultura, crença, norma e estilo), há somente uma multidão de culturas, de crenças, de normas e de estilos. Não há uma justiça universal, há apenas interesses de grupos. Não existe uma grande narrativa do progresso humano, há apenas histórias incontáveis, nas quais as culturas e os povos se encontram hoje. Não existe a realidade simples nem uma grande realidade de um conhecimento universal e objetivo, existe apenas uma incessante representação de todas as coisas em função de tudo o mais."7
McGrath reconhece que dar "uma definição completa do pós-modernismo é virtualmente impossível",8 mas este poderia ser entendido como sendo "uma sensibilidade cultural sem absolutos, sem certezas e sem bases fixas, que se deleita no pluralismo e na divergência, e que tem como meta pensar através da radical ‘relatividade situacional’ de todo pensamento humano. E cada um desses aspectos poderia ser considerado como uma reação consciente e deliberada contra a totalização do Século das Luzes."
Em nosso continente, as "gerações jovens são hoje, ao mesmo tempo, modernas e pós-modernas, embora em meio a instituições sociais e políticas relativamente pré-modernas."
6. Pós modernidade: Não aos Absolutos
Na modernidade a Razão erigiu-se imbatível, e o progresso apresentou-se otimista e inevitável. A modernidade baseava-se em absolutos, em princípios inegociáveis que conduziriam infalivelmente a um mundo sem problemas.
Porém, de acordo com os autores pós-modernos, as pretensões absolutistas da modernidade somente trouxeram sistemas opressivos, guerras de trincheiras e campos de concentração.
O absoluto de que a ciência responderia nossas perguntas e resolveria
nossos problemas demonstrou-se como falso
O absoluto de que a ciência responderia nossas perguntas e resolveria nossas inconsistências produziu a poluição irreversível no ar, nos rios e nos oceanos; a destruição da capa de ozônio, deixando-nos expostos aos mortais raios solares; uma relação cada vez maior de espécies vivas em perigo de extinção; e a possibilidade de uma guerra nuclear capaz de destruir a metade do sistema solar. Isso para não mencionar os resultados dos absolutos na economia, nas ciências sociais e na política. Se é isso o que produzem os absolutos, devemos então suspeitar de todo absoluto. Como conseqüência, "não há regras ou normas que controlem a sociedade; nem mesmo Deus tem esse direito."10
7. A deconstrução: a espinha dorsal da metodologia pós moderna
A "deconstrução", poderia ser destacada, como sendo a medula da epistemologia moderna.
As áreas de atuação da teoria desconstrucionista
A deconstrução atua principalmente no campo da lingüística, mas suas conclusões generalizaram-se a outras áreas, até mesmo na religião.11 Na lingüística e na filosofia, os franceses Jacques Derrida e Michel Foucault, e os americanos Richard Rorty e Stanley Fish são os representantes mais destacados da deconstrução.
O que vem a ser a deconstrução?
James Sire resume a proposta deconstrucionista ao dizer que "a teoria literária pós-moderna, assim como uma grande parte da teoria das ciências humanas contemporâneas assume que a mente humana é incapaz de aceder à realidade.
Em primeira e última análise, não há uma estrutura racional da realidade, e, se houver, não a poderemos conhecer. Tudo o que conhecemos é a nossa própria linguagem."12 Então, de acordo com a deconstrução, a linguagem é o único meio através do qual podemos conhecer; sendo porém este um fenômeno arbitrário, deixa as palavras sem um significado permanente. E uma opção pessoal dar-lhes o sentido que cada um queira. Cada pessoa cria, arbitrariamente, sua própria realidade, ao utilizar a linguagem.
Rorty explica sobre a deconstrução:
“E o sentido de que não há nada no fundo dentro de nós, exceto o que nós mesmos ali pusemos; não há nenhum critério que não tenhamos criado no processo de criar uma prática; nenhum padrão de racionalidade que não seja uma apelação ao critério, nem argumentação rigorosa que não seja mais do que a obediência a nossas próprias convenções.13”
A relação entre a deconstrução e a interpretação
Ao aplicar esta abordagem à literatura, por exemplo, chega-se à conclusão de que, em qualquer caso, não se pode encontrar um significado fixo, e que tanto a identidade como a intenção do autor são irrelevantes para a interpretação de qualquer texto. McGrath14 encontra pelo menos dois princípios gerais no que se refere à deconstrução de um texto:
(1) Todo escrito terá significados que o autor não pretendia e nem poderia ter pretendido dar.
(2) O autor não pode pôr adequadamente em palavras o que ele quer dizer em primeira instância.
McGrath conclui: "Todas as interpretações são igualmente válidas, ou igualmente sem significado (dependendo do seu ponto de vista)." Isto tem repercussões importantes no campo da hermenêutica bíblica. Se toda interpretação está condicionada culturalmente, então "nenhuma interpretação pode ser descartada, e a nenhuma interpretação se deve dar o status de uma verdade objetiva. Rechaçar uma interpretação pressupõe que se tenha algum critério que permite fazer isso, mas se uma interpretação é apenas uma entre muitas possíveis outras interpretações, não tem sentido argumentar em favor de seu valor único ou contrariamente à validade (ou falsidade!) da interpretação de outra pessoa.
A deconstrução redefiniu a visão do homem
A deconstrução também redefiniu o sujeito. A modernidade considerava o ser humano autônomo, independente, seguro de si mesmo e com possibilidades racionais ilimitadas. "Na cosmovisão moderna o homem chega a ser lei (nomos) para si mesmo (autos)."16 O homem moderno é um ser integrado, otimista e com identidade definida. O deconstrucionismo pós-moderno desafia esta visão do sujeito. "Esta antropologia é uma ficção. A mesma noção de um sujeito autônomo, que se apoia em si mesmo, é um invento moderno. Esta é uma construção concebida em um tempo e espaço particulares (especificamente, o mundo ocidental desde o Renascimento), e não propriamente uma verdade acerca da natureza humana, universalmente reconhecida e auto-evidente em todo o tempo. Assim como a realidade é uma construção social, também o é o Homo autonomous."11
O sujeito pós-moderno é, então, um produto cultural, e portanto não tem individualidade. Na antropologia pós-moderna os seres humanos são apenas contratos sociais ou seres socialmente determinados. É o que Mardones chama de "o desafio do fragmento". O ser humano é apenas o que a sociedade define que seja, não pode pensar a não ser nas categorias que recebeu e como resultado não tem mais a pretendida autonomia do homem moderno. "Suas emoções e sua interpretação de si mesmo, assim como suas ações, lhe são pré-definidas pela sociedade, bem como a sua abordagem cognoscitiva do universo que o rodeia."18
Esta redefinição pós-moderna do sujeito produziu o ambiente propício para a negação da culpa e da responsabilidade pessoais. Se o que somos, pensamos, fazemos, e tudo o mais é produto social, então a sociedade é a responsável por nossos atos e decisões, sejam estes positivos ou negativos. Nós estamos somente atuando de acordo com o que o meio social nos condicionou; não temos escapatória. O sujeito pós-moderno não tem nem identidade nem vontade individual, somente social.
A um nível mais geral, a rejeição de absolutos levou o pós-modernismo a repudiar qualquer conceito de verdade que pretenda ser universal. Para Foucault, por exemplo, a idéia de "verdade" nasce dos interesses dos que têm o poder. Para ele há uma relação direta e destrutiva entre verdade e poder.19 A "verdade" serve como instrumento de apoio para sistemas repressivos; portanto, qualquer "verdade" que pretenda ser absoluta deve ser erradicada, incluindo-se o que na terminologia pós-modernista se conhece como as "metanarrativas ".
As metanarrativas são marcos de referência gerais "que dão sentido à totalidade da vida e que dão um significado ao lugar que ocupamos no amplo sistema das coisas."20 Também podem ser entendidas como "narrativas generalizantes que asseguram a provisão de marcos universais para o discernimento de significado."21 Exemplos de metanarrativas são o marxismo, a democracia liberal capitalista e o mito moderno do progresso autônomo. A definição que Klaus Bockmuehl22 utiliza para o marxismo poder-se-ia dar para qualquer outra metanarrativa: "Um sistema que abrange completamente o pensar e o viver, uma concepção total do mundo e da humanidade." Middleton e Walsh apresentam também como metanarrativas a agenda nazista para ter a supremacia na Europa, as cruzadas, as aspirações marxistas-leninistas para o domínio mundial, o apartheid na África do Sul, e "as conseqüências na América Latina, ao longo deste século, da doutrina Monroe, como parte da narrativa da democracia liberal dos Estados Unidos."23
As metanarrativas são rejeitadas pelo pós-modernismo como autoritárias, isto é, porque impõem o seu próprio significado de forma fascista. "Se alguém está convencido de que a sua posição é correta, tem inevitavelmente a tentação de controlar ou destruir os que não estejam de acordo. "25 Middleton e Walsh expressam o que esta abordagem tem a ver com o cristianismo:
O problema do ponto de vista pós-moderno é que as Escrituras, em que os cristãos afirmam basear a sua fé, constituem umametanarrativa com pretensões universais. O Cristianismo está inegavelmente enraizado mimametanarrativa que pretende contar a verdadeira história do mundo, desde a criação até o fim, da origem à consumação.26
Para os mesmos autores, a hipótese pós-moderna das metanarrativas tem sentido e baseia-se na observação histórica:
A história bíblica tem sido, de fato, freqüentemente utilizada ideologicamente para oprimir e excluir aqueles que são considerados infiéis ou hereges. Nas mãos de alguns cristãos e comunidades, a metanarrativa bíblica tem sido usada como uma arma para legitimar preconceitos e perpetuar a violência contra os que são considerados inimigos, que estão fora do propósito divino. Simplesmente não há uma narrativa intrinsecamente justa, nem mesmo a bíblica."27
Em conclusão, o argumento é que cada vez que uma pessoa ou um grupo qualquer diz possuir a "verdade" (especialmente a verdade religiosa), o resultado é uma repressão.
Para o pós-modernismo, "a única verdade é que não existe a verdade" .28 Como diz Jock McGregor, "a idéia chave nessa situação é que temos liberdade absoluta. Cada coisa que pensemos, digamos ou façamos tem igual validade, quando aplicado a uma outra coisa. Não existem absolutos, somente escolhas. Nada é absoluto, nada é sacrossanto, tudo acha-se disponível."29
Esta posição e esta rejeição aos absolutos preparam o terreno em que o pluralismo e o relativismo florescem.