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Texto 02. Teologia Bíblica do Antigo Testamento. (Para as turmas do curso teológico do Betel Brasileiro)

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CURSO DE TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

Texto 02.  A DOUTRINA BÍBLICA DA REVELAÇÃO DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

O conhecimento científico pode ser usado para reforçar a autoridade Bíblica. As ciências bíblicas e os estudos históricos relacionados com a origem e a produção dos livros do Velho Testamento ajudam no esclarecimento e na interpretação da sua mensagem.

Este esforço de descobrir o ambiente cultural da origem do Antigo Testamento põe ênfase no elemento humano da sua pro­dução, mas não nega a doutrina bíblica da revelação divina e ao contrário pode ser usado para reforçar a autoridade das escrituras.

O Velho Testamento apresenta-se como obra de homens inspirados e orientados por Deus na transmissão da mensagem de Deus. Não se pode defender mais a posição extremista se­gundo a qual o próprio Deus ditou, palavra por palavra, as Es­crituras Sagradas aos seus agentes humanos, que ficaram intei­ramente passivos no ato de recebê-las e escrevê-las.

Para o leitor cuidadoso da Bíblia, é bem claro que Deus usou os dons, a vontade, a disposição e a capacidade intelectual dos escrito­res na transmissão da sua mensagem.

A palavra revelar significa tirar o véu ou remover a coberta que esconde um objeto para o expor à vista. No Antigo Testa­mento, o conceito limita-se exclusivamente à revelação do pró­prio Deus e dos mistérios divinos que o homem é incapaz de descobrir.

A Psicologia dos Hebreus

Todos os povos primitivos sentiam-se bem perto dos poderes sobre-humanos, e os hebreus, no período da sua história, frequentemente sentiram-se cônscios da comunhão direta com Deus, como aconteceu com Abraão, Isaque, Jacó, os juízes, os salmistas e os profetas.

Essa consciência de uma comunhão direta com Deus era tão forte, que levava os escritores bíblicos, a não se preocuparem com argumentos para provar a sua comu­nicação pessoal com Deus. O conceito de Deus era-lhes perfeitamente na­tural.

Vinda de uma fonte transcendente, a revelação escapa à nossa plena compreensão. Mas podemos estudá-la no seu con­tato com a experiência humana. No estudo da revelação temos que reconhecer a sua contraparte, a inspiração. Podemos ana­lisar e estudar as atividades divinas à medida que se revelam à inteligência dos agentes ou veículos da revelação. Ora, os pro­fetas bíblicos sempre estiveram plenamente certos de que o Senhor falava por intermédio deles.

O hebreu pensava que o espírito do homem podia ser inva­dido facilmente por algum espírito externo ou uma energia de fora. Portanto, a inspiração, do ponto de vista do profeta, era a invasão do seu espírito (ruah) pelo Espírito do Senhor. Os profetas freqüentemente declaram que o Espírito do Senhor apo­derou-se deles, e lhes deu entendimento e poder.

O conceito que o profeta tinha da inspiração pelo Espírito do Senhor é muito diferente do êxtase do grego. O grego ficava extasiado quando a psyche deixava o seu corpo e vagava longe dele. O Velho Testamento não apresenta nenhum exemplo de um espí­rito desincorporado. Os que falam dos profetas extasiados per­petuam uma idéia que o hebreu não podia ter entendido.

Apesar da falta do conhecimento da psicologia dos povos antigos por parte do homem moderno, sabemos que os elemen­tos essenciais da revelação divina se expressaram segundo a psi­cologia hebraica. Toda revelação começa com Deus. A mão irresistível de Deus descansava sobre o profeta. Na sua comu­nicação com o homem, Deus não fica limitado pela psicologia do homem moderno.

Entendendo-se a psicologia dos profetas, pode-se compreen­der mais claramente a operação do Espírito do Senhor na von­tade e na vida do profeta:

O hebreu não fazia, como nós, distinção nítida entre os fenômenos físicos e os fatos do mundo espiritual. Assim, compreendia, mais claramente do que o homem moderno, o significado das atividades de Deus na vida humana e na his­tória. Esta fé na revelação direta de Deus ao homem idôneo é básica e fundamental para os escritores bíblicos.

Assim as teofanias, os antropomorfismos e as conversas entre Deus e homens nas narrativas bíblicas constituem problemas para intérpretes mo­dernos que não entendem a mentalidade dos escritores. Em vez de pôr de lado os antropomorfismos bíblicos, devemos procurar entender os seus efeitos religiosos para os escritores. Estudan­tes da Bíblia e homens de fé persistem em falar do coração de Deus, da vista de Deus e da voz de Deus, sem que pensem estar cometendo algum erro.

Nota-se também que nos seus antropo­morfismos os hebreus nunca atribuíram ao Deus de Israel as fraquezas humanas, as rivalidades e as injustiças que os povos contemporâneos viam nos seus deuses. Para o escritor do pri­meiro capítulo de Gênesis, Deus era transcendente e espiritual, e o homem não era réplica física do seu Criador. O escritor expressa antes a sua profunda convicção de que o homem, em virtude da criação, tem afinidade espiritual com Deus, e, como ser espiritual, pode gozar comunhão com o seu Criador.

A intensidade da pregação do profeta, bem como a sua pro­funda sensibilidade espiritual, surgia do seu conceito de Deus. A sua mensagem era sempre teocêntrica. Deus é o assunto por excelência da profecia. É a comunhão pessoal do profeta com o Senhor que produz a fé, a coragem e o entendimento da von­tade divina.

A atuação do profeta neste contexto

O profeta se interessava principalmente nos proble­mas religiosos do seu povo, mas a palavra do Deus vivo repre­sentava para ele o passado, o presente e o futuro.

Sendo prático, o profeta tratava de problemas existentes, interpretando e apli­cando a palavra revelada do Senhor às condições políticas e religiosas de seus contemporâneos.

Assim, a mensagem da jus­tiça divina, interpretada pelos profetas bíblicos, tem valor eterno e aplicação universal na solução dos problemas da injustiça das gerações sucessivas da humanidade.

"Quando Deus chama os homens à justiça, não é por­que seja mero capricho dele que os homens sejam justos. É porque ele mesmo é justo, e havendo criado o homem à sua imagem, deseja que reflita a sua própria justiça. Quan­do pede que os homens manifestem o espírito compassivo para com os fracos, é porque ele mesmo revelou este espí­rito na libertação do povo de Israel da escravidão do Egito." [1]

Há um elemento de intuição na profecia, um característico de todas as religiões. O sentido de responsabilidade (value-judgment), que surge desta instituição religiosa, pede uma res­posta completa da personalidade emocional, intelectual e volitiva. Assim os hebreus, com a sua psicologia, sem qualquer emba­raço científico da sua mentalidade, não ficavam perturbados, como os homens modernos, por dúvidas sobre as suas experiên­cias pessoais com Deus.

A Revelação de Deus nas Obras da Criação

O Velho Testamento não faz distinção especial entre a re­velação geral ou natural, e a revelação direta aos escritores da Bíblia.

Os teólogos têm várias opiniões sobre a revelação de Deus na natureza:

· Karl Barth afirma dogmaticamente que não há uma revelação geral.

· Emil Brunner2 crê firmemente na reve­lação divina nas obras da natureza, mas pensa que não é veículo da graça salvadora.

· Na exposição do Evangelho da graça de Deus em Cristo, o apóstolo Paulo apela, em Atos 14:15-17, ao testemunho das obras do céu e da terra à revelação divina, e à providência divina em dar aos ouvintes estações frutíferas, en­chendo os seus corações de mantimentos e alegria. Também em Romanos 1:18-23, o Apóstolo declara que os gentios, igno­rando a revelação de Deus nas obras da criação, ficam inexcusáveis, por se entregarem à idolatria.

A revelação natural não é necessariamente comunicada à humanidade por intermédio de homens inspirados em situações especiais da história, ao passo que a revelação bíblica é histórica, relacionando-se com uma série de pessoas e eventos históricos. O exército de Israel reconheceu o auxílio divino na trovoada sobre os filisteus (I Sam. 7:10).

Não há no hebraico a palavra natureza, mas as obras do mundo físico, segundo os escritores bíblicos, dependem absolu­tamente de Deus, o seu Criador e Sustentador.

Assim, os hebreus não pensavam, como nós, nas leis da natureza. As operações no mundo físico, por exemplo, eram obras de Deus. O trovão era a voz de Deus. Algumas religiões antigas personificaram o sol, a lua, as estrelas e o vento, e seus adeptos os adoraram. Alguns israelitas caíram nesta forma de idolatria, mas foram condenados (II Reis 17:16).

Como o controlador do mundo, Deus usa a natureza para revelar o seu poder, a sua sabedoria, a sua glória e a sua benignidade.

"Aquele que faz as Plêiades e Oriom, Que torna as densas trevas em manhã, E escurece o dia como a noite; Que chama as águas do mar, E as derrama sobre a terra; O Senhor é o seu nome" (Am. 5:8).

Também o capítulo 38 de Jó, Isaías 40:12 e 26, e os capítu­los 8 e 9 de Provérbios apresentam em linguagem brilhante as maravilhas do poder e da sabedoria do Senhor da natureza. O Salmo 104 e outros explicam a revelação da glória e da benignidade do Senhor nas obras da criação.

Assim, estas passagens e outras nos declaram que Deus se revela pelas obras do mundo físico. Outras religiões reconhece­ram elementos e forças da natureza como deuses. Mas os israe­litas fiéis sempre viram atrás do mundo físico o Criador e Controlador dos céus e da terra. Ora, devemos lembrar que esta revelação de Deus nas suas operações através das forças na­turais, bem como nas suas atividades nos eventos da história, é-nos interpretada nas Escrituras por homens vocacionados e ins­pirados por Deus.

Devido à psicologia dos hebreus, é difícil encontrar no Velho Testamento qualquer apoio do conceito moderno da revelação natural ou geral, no sentido de que o homem, sem qualquer orientação divina, é capaz de descobrir, nas obras da natureza, provas satisfatórias da existência de Deus.

Deus Se Revela Diretamente aos Escritores Bíblicos

Deus é conhecido, segundo o Velho Testamento, não porque os homens, nos seus esforços intelectuais, o descobriram, mas somente porque o próprio Deus se revelou. Homens de outras religiões falam das comunicações diretas com os seus deuses e das mensagens que deles receberam e transmitiram ao seu povo, mas é só na Bíblia que se apresenta a revelação no sentido restrito, persistente e coerente que apela cada vez mais podero­samente à razão e à natureza espiritual do homem.

A fé e a razão caracterizam as experiências humanas, in­cluindo a religião bíblica, mas o conceito da revelação, no sen­tido restrito, pertence unicamente à Bíblia.

Quanto ao problema de harmonizar a revelação bíblica com o conhecimento racional, queremos explicar de vez a nossa posição:

Não temos dúvida nenhuma de que o processo da revelação transcende os poderes racionais do homem. Essencialmente a revelação bíblica é a co­municação de conhecimento da Pessoa de Deus. Ora, estas ver­dades a respeito da Pessoa, da vontade e dos planos de Deus que o homem não tem a capacidade de descobrir, mas uma vez comunicadas por Deus, no intercurso com homens idôneos, con­cordam perfeitamente com o conhecimento racional da huma­nidade.

Este ponto de vista explica perfeitamente a necessidade da revelação bíblica. Evita também o erro dos teólogos que põem toda a revelação fora do alcance das categorias da razão hu­mana.

O problema surge por não se fazer distinção entre os dois sentidos do termo "revelação". Quando se refere à revelação como a obra de Deus, o pleno sentido da palavra transcende o entendimento racional do homem. Quando, porém, a revelação se refere às verdades comunicadas, estas se tornam elementos do conhecimento que mais enriquecem a vida humana.

Diz Reinhold Niebuhr:

"Este é o enigma final da existência humana, para o qual não há resposta, exceto pela fé e esperança; pois todas as respostas transcendem às categorias da razão humana. Todavia, sem estas respostas, a vida humana fica ameaçada por ceticismo e niilismo de um lado, e por fanatismo e orgu­lho de outro." 3

Pergunta-se ao Prof. Niebuhr: Em que sentido a resposta bíblica ao enigma da vida transcende as categorias da razão humana?

A posição de Brunner, quanto ao problema da revelação, é mais extremista do que a de Niebuhr:

"Como a fé cristã entende a revelação, ela é, de fato”, pela sua própria natureza, um assunto além de todos os argumentos racionais. O argumento que ela apresenta em sua defesa não se acha na esfera de conhecimento racional, mas na esfera daquela verdade divina que pode ser alcan­çada somente pela própria comunicação divina, e não por pesquisa de qualquer espécie." 4

Nota-se também aqui o fato de não ser feita distinção entre a obra divina da comunicação e as verdades comunicadas.

Segundo o conceito bíblico, o homem não recebe, no pro­cesso da revelação, doutrinas teológicas acerca de Deus, mas recebe conhecimento pessoal do Senhor, da sua majestade, san­tidade e glória. Recebe também conhecimento da justiça do Se­nhor, do seu propósito e da sua vontade para com o seu povo. A essência da revelação bíblica é o intercurso de inteligências.

Assim, para os escritores bíblicos, a revelação não era um ensaio filo­sófico ou uma experiência intelectual. Era uma experiência pro­fundamente religiosa, plenamente confirmada pela inteligência. Para os profetas, a matéria da revelação não era o conhecimento sobrenatural ou além do entendimento humano, nem mesmo a divulgação de eventos futuros, mas o conhecimento pessoal de Deus. Coisas secundárias acompanhavam, ou se deduziam da revelação, mas a Pessoa e o propósito do Senhor eram sempre fundamentais.

Deus se revela por suas atividades na vida e na história do seu povo, escolhido para ser a sua possessão peculiar dentre todos os povos do mundo (êx. 19:4, 5; 20:2). Um fato básico para todos os escritores do Velho Testamento é a libertação de Israel da escravidão no Egito (êx. 19:4). Em toda a história subse­qüente, os escritores do Velho Testamento mantiveram a firme e inabalável convicção de que o Senhor Javé tinha concedido a salvação a Israel escravizado, e no seu amor eletivo o tinha escolhido para ser o seu povo peculiar. Pelas atividades cons­tantes do Senhor, em favor de Israel, através de todas as vicissitudes da história, ele revelou o seu hesed,5 o seu amor firme, fiel, constante e imutável. Na sua cegueira e obstinação, Israel nem sempre reconheceu o propósito divino nas atividades mise­ricordiosas de Deus na sua vida nacional.

"A história de Israel tinha muitos dos mesmos caracte­rísticos da nossa história contemporânea, a mesma qualida­de de nossas experiências pessoais, nos acontecimentos diários da nossa vida. Mas apresenta-se de tal modo que se vê nela profunda significação. Segundo o nosso poder de entender, a nossa vida e a nossa história contemporânea não têm tanto significado. A história bíblica é de tanta im­portância porque em toda parte ela se relaciona com a rea­lidade fundamental, que é a base de toda a história e do toda a experiência humana, o Deus Vivo no seu reino."

Na orientação persistente de Israel, Deus levantou os seus mensageiros para interpretar a sua vontade e o seu propósito na escolha deste povo. Os profetas apresentavam ao povo as suas credenciais pela convicção inabalável de que eram porta­dores da palavra (dabar)7 de Deus, e pela qualidade da men­sagem que lhe transmitiam. O fato essencial da revelação é a ver­dadeira atividade de Deus na vida do povo através de seus agentes, os profetas. O mais alto conceito da religião é a frater­nidade entre Deus e o homem, mas não pode haver fraternidade quando a comunicação se limita ao homem. Se Deus ficasse eternamente silencioso, a religião seria a mais triste de todas as decepções humanas, e esta experiência espiritual da personali­dade humana seria a mais cruel ilusão do universo irracional.

O profeta confiava absolutamente na fidelidade do Senhor quanto ao cumprimento de suas promessas, e a realização de seus propósitos, não obstante a infidelidade do povo. Estes pro­pósitos, segundo os escritores bíblicos, sempre representaram a justiça e a misericórdia de Deus, em contraste notável com os caprichos dos deuses dos povos contemporâneos de Israel.

"O que dá à profecia do Velho Testamento a sua quali­dade singular é a riqueza da revelação divina por intermé­dio dos seus maiores vultos. Os profetas não eram homens perfeitos, e não precisamos idealizá-los para aumentar a sua glória. Eram homens que conheciam a sua íntima fra­ternidade com Deus, aos quais era transmitido algo do espí­rito do Senhor. Eram homens que contemplavam o mundo à luz do que tinham visto no coração de Deus, homens que falavam porque eram constrangidos, e não porque que­riam falar, aos quais Deus impusera a obrigação de trans­mitir a sua mensagem. Entregavam a palavra relevante não somente às necessidades da hora, mas de importância per­manente para os homens." 8

Os escritores do Antigo Testamento não faziam uma distin­ção formal entre a revelação geral e a revelação especial. Deus é conhecido em parte por todas as suas operações no mundo fí­sico e na consciência do homem. Dotado para reconhecer a mão de Deus nas obras da criação, o homem não tem a capa­cidade de adquirir, no seu estudo das maravilhas da natureza, o conhecimento de Deus que o seu coração pede. Na revelação especial, por intermédio de seus agentes vocacionados e inspi­rados, Deus confirma e aumenta o conhecimento que constante­mente transmite na manutenção do mundo físico em condições de preservar a vida humana e satisfazer às suas necessidades. Deus é a fonte da vida, e o conhecimento dele introduz o homem a uma vida cada vez mais perfeita (Sal. 19). Para reforçar o que já notamos, não se encontra no Antigo Testamento a mínima justificação da idéia de que o homem possa alcançar, por seus próprios esforços, sem o auxílio divino, qualquer conhecimento do Senhor.

O Criador opera, a criatura contempla; o Senhor se apre­senta, o homem percebe; o Senhor fala, o homem ouve; o Senhor se revela, e o homem entende algo da sua majestade, da sua santidade, da sua justiça e da sua glória.

Deus chega aos homens por meio das suas ações benignas e por intermédio dos seus mensageiros. No seu concerto Deus entra em relações pessoais com Israel. Assim a revelação pró­pria de Deus é reconhecida em todas as páginas do Velho Tes­tamento. O Criador do homem não fica escondido, nem tão preocupado com a grandeza das suas obras que não possa re­conhecer e atender às necessidades das ovelhas de seu pasto (Jer. 23:1). O seu Espírito opera constantemente em favor da humanidade. O seu cuidado se estende a todas as obras da criação (Sal. 145).

Há cegos e obstinados que não reconhecem a autoridade de Deus. Os profetas e salmistas explicam como as dúvidas quanto ao poder de Deus devem ser corrigidas pela observação das suas maravilhosas obras (Is. 40:25, 26). No Salmo 94:3 e seg., o salmista corrige as idéias falsas dos ímpios de Israel.

"ó Senhor, até quando os ímpios, até quando os perversos exultarão?

Derramam as suas palavras arrogantes, todos os malfeito­res se vangloriam.

Esmigalham o teu povo, Senhor, e afligem a tua herança. Matam a viúva e o peregrino, e tiram a vida do órfão; Então dizem: O Senhor não vê; não percebe o Deus de Jacó. Entendei, insensatos dentre o povo! Néscios, quando sereis sábios?

Quem plantou os ouvidos, não ouve? Quem formou os olhos, não vê?

Quem disciplina as gentes, não castiga?"

A Revelação da Pessoa de Deus no Velho Testamento É Incompleta

Não há em qualquer parte do Antigo Testamento a mínima sugestão de que Deus tenha revelado aos profetas o conheci­mento completo da sua Pessoa.

A mensagem de cada um dos escritores era limitada pela capacidade do autor, e pelas cir­cunstâncias religiosas do povo da época. Mas todos os mensa­geiros de Deus concordam na exposição das verdades eternas da revelação divina. É evidente que apresentaram alguns ensinos de valor temporário para o seu povo contemporâneo, e que têm importância apenas histórica tanto para judeus como para cris­tãos.

Há, todavia, verdades teológicas no Velho Testamento que Deus revelou progressivamente por intermédio de seus mensa­geiros. São estas doutrinas que prendem especialmente o nosso interesse neste estudo. A revelação se fez "em muitas partes e de muitas maneiras". Um profeta, por exemplo, estava preparado, nas circunstâncias em que se achava, para entender, receber; e transmitir, embora imperfeitamente, a santidade do Senhor. Outro estava preparado para entender e receber, em parte, a revelação da justiça divina. A outros foi revelado, "em muitas partes e de muitas maneiras", o amor fiel de Deus. A todos os profetas foi revelada alguma coisa dos propósitos de Deus para com o povo escolhido, de acordo com as condições políticas e religiosas da época. Mas é claro que nenhum profeta, nem todos juntos puderam dar uma revelação exaustiva da Pessoa de Deus e dos mistérios de todos os seus propósitos.

Quanto ao modo de comunicar-se, Deus podia falar a Moi­sés "Como qualquer um fala com o seu amigo", ou nos relâm­pagos e trovões do Sinai, ou na voz mansa e delicada dirigida ao profeta Elias, ou na nuvem de fumaça sobre a arca do tabernáculo. Todos estes símbolos, e outros meios usados, significam a presença de Deus, indicando ao mesmo tempo que, na ple­nitude da sua Pessoa. Deus não pode ser conhecido perfeita­mente pelos poderes intelectuais do homem.

Os meios técnicos usados por outros povos primitivos, no esforço de descobrir a vontade de seus deuses, como a sorte, sonhos e augúrios, usavam-se também pelos israelitas em certos períodos e circunstâncias da sua história, mas são condenados ou abandonados mais tarde pelos profetas, como incompatíveis com a fé espiritual da profecia (Am. 3:7; Jer. 23:27). Assim o conteúdo da revelação é o Deus verdadeiro, o Deus vivo, o rei sempiterno (Jer. 10:10). Deus se revela como o Senhor cujos caminhos são mais altos do que os nossos caminhos, e cujos pensamentos são mais altos do que os nossos pensamentos (ls. 55:8).

Na linguagem bíblica, o caráter pessoal do Senhor revela-se em seu Nome. No Antigo Testamento, o nome significa o que nós designamos por personalidade. Assim, na revelação do seu Nome a Moisés, Deus lhe comunicou conhecimento da sua Pes­soa (Êx. 3:11-15). Deus então veio a ser notavelmente acessí­vel a Moisés. Falou com ele "como qualquer fala com o seu amigo" (Êx. 33:11), e fez passar por diante dele toda a sua bon­dade (êx. 33:19). Na comunicação do seu Nome, Deus estabe­lece comunhão pessoal com o seu povo (I Reis 1:29; Sal. 9:9 e seg.).

Ao passo que o Antigo Testamento reconhece claramente a impossibilidade de uma revelação perfeita de Deus ao entendi­mento limitado do homem, não concorda com o conceito filosó-fico-teológico de que Deus é "completamente outro". Estritamen­te falando, o Velho Testamento apresenta um modo de pensar sobre a relação de Deus com a humanidade, antes que uma doutrina formal de Deus. A afinidade espiritual entre Deus e o horflem é plenamente confirmada pelo descanso do espírito do homem nã comunhão com o Espírito do Senhor.

"Quanto a mim, como justiça, verei a tua face; Satisfar-me-ei quando acordar na tua semelhança" (Sal. 17:15)." 9

Embora não seja possível a comunicação completa da na­tureza do Senhor ao homem, a revelação concedida aos escri­tores do Antigo Testamento é de Deus mesmo. É real, é ver­dadeira, é necessária, é aproveitável para o homem, embora seja incompleta. Os israelitas entenderam, talvez melhor do que o homem moderno, a verdade da transcendência de Deus, reco­nhecendo que não é físico, mas Espírito pessoal, justo e benigno, e sempre coerente em falar e atuar de acordo com a sua natu­reza santa.

A Distinção entre a Revelação e a Inspiração

Como se faz distinção entre a teologia do Velho Testamento e a história da religião do povo de Israel, assim se faz distinção também entre a revelação e a inspiração. A revelação é obra exclusiva de Deus. É a comunicação do conhecimento da sua Pessoa, de seus propósitos e da sua vontade ao homem incapaz de descobrir, pelos poderes do seu próprio intelecto, estas ver­dades divinas. É o processo pelo qual Deus se faz conhecido ao homem.

A inspiração é o termo que descreve, no sentido bíblico, a habilitação dos escritores que produziram os livros da Bíblia. A inspiração significa a atuação do Espírito de Deus no espírito de homens idôneos, escolhidos para receberem e transmitirem as mensagens da revelação divina.

Ora, com o estudo cuidadoso do estilo literário e do assun­to dos livros do Velho Testamento, escritos através de um longo período da história de Israel, torna-se bem claro que a inspira­ção foi condicionada ou limitada pela experiência, cultura e ca­pacidade intelectual dos escritores, ou pelos seus dons. Deus não podia usar homens voluntariosos e rebeldes contra a von­tade divina, mas podia constranger homens retos e bons, como Jeremias, contra a sua preferência pessoal, para receber e trans­mitir, ao povo obstinado e rebelde, a mensagem do Senhor, mesmo quando tinham que enfrentar os perigos da perseguição e da morte. Os escritores ficaram habilitados para receber e transmitir tanto da verdade quanto o povo podia entender e aproveitar.

Quando reconhecemos que a inspiração não anulou a per­sonalidade dos escritores bíblicos, mas que fatores humanos e divinos operam juntos na produção dos livros do Velho Testa­mento, através de longos períodos históricos, não podemos dei­xar de reconhecer mudanças no ponto de vista dos escritores. Quando encontramos conceitos imperfeitos de Deus nos livros históricos, podemos reconhecer o desenvolvimento destes con­ceitos nos livros proféticos, não porque Deus mudou, mas por­que, com amor fiel, hesed, amparou o povo através das crises da sua história, e, com as suas profundas experiências religiosas, os profetas ficaram habilitados para entender mais perfeitamente a santidade, a justiça e a benignidade do Senhor.

Não devemos ficar perturbados com os dois pontos de vista quanto à fundação da monarquia. Há valores religiosos nos dois, como se vê na leitura cuidadosa de Samuel.

Quando notamos que a Babilônia não foi destruída pelos medos, segundo as predições de Is. 13:17 e Jer. 51:11, mas pelos persas, sob a liderança de Ciro, não ficamos desconfiados da inspiração destes mensageiros de Deus, porque na sua essência a predição foi cumprida.

Os problemas morais, bem como as discrepâncias literárias do Velho Testamento, resolvem-se à luz das limitações humanas dos escritores, embora inspirados pelo Espírito do Senhor.

À luz destes fatos, entende-se claramente a unidade da re­velação de Deus nas Escrituras. A declaração dogmática de que a Bíblia é a palavra de Deus, e deve ser aceita pela fé, é sufi­ciente para muitas pessoas, mas pode ter o efeito de afastar outros que querem saber de provas razoáveis em sua defesa. Deve-se notar, todavia, que a Bíblia não foi escrita meramente para satisfazer à curiosidade intelectual do homem, mas para lhe revelar a vontade e o propósito do Senhor na salvação. A pregação da mensagem da Bíblia é uma poderosa defesa da sua verdade. Mas a fé tem que acompanhar a convicção intelectual da verdade da revelação divina.

A finalidade ou o propósito de Deus na revelação é mais do que o esclarecimento intelectual ou a instrução do povo em dou­trinas teológicas. Tem por fim o estabelecimento de uma rela­ção pessoal entre Deus e os homens. "Andarei no meio de vós, e eu vos serei por Deus, e vós me sereis por povo" (Lev. 26:12). Deus revelou o seu amor (‘ahabah) no concerto que fez com os patriarcas (Gên. 17:1-6), e mais tarde com Israel no Monte Si­nai (Êx. 19:4-6). Demonstrou o seu amor imutável (hesed) nas atividades persistentes em favor de Israel através da sua história, e especialmente em períodos de crise e calamidade.10 Alguns profetas interpretaram o significado do concerto pela figura do casamento (Os. 2:19; Jer. 3:14). A frase "a palavra de Deus" descreve a orientação divina que Israel recebia constantemente por intermédio dos profetas. Todas as atividades divinas em favor de Israel são coerentes e harmoniosas no testemunho da fidelidade do Senhor no cumprimento fiel dos seus planos e das suas promessas em favor do povo escolhido.

Não obstante a desobediência obstinada, e as freqüentes revoltas de Israel contra "a palavra de Deus", o Senhor, pelos maravilhosos recursos do seu hesed, disciplinou e guiou o seu povo escolhido, segundo a justiça divina, no desempenho da sua missão sacerdotal no mundo (êx. 19:6; Is. 2:1-3; 49:6).

A Autoridade do Velho Testamento

Pode-se dizer em resumo que a autoridade do Velho Testa­mento é a autoridade da verdade, da verdade moral e religiosa que transcende a esfera científica. Não se pode negar que cer­tas partes de seus livros não têm autoridade universal, mas ser­viram para orientar o povo do concerto na sua vida no meio de outras nações, no período formativo de treinamento para rece­ber a revelação divina, livre das influências das superstições e da idolatria dos vizinhos. Mas estas partes do Velho Testa­mento tiveram a sua função, e conseguiram a sua finalidade. Como o andaime não constitui uma parte permanente do edifício, assim há certas leis e ritos cerimoniais que tiveram o seu lugar no preparo do povo escolhido para o desempenho da sua missão, mas não fazem parte das verdades eternas e imutáveis das Es­crituras Sagradas. Estas partes tiveram apenas autoridade li­mitada e temporária.

Se é verdade que o homem depende forçosamente de poderes sobre-humanos, o único poder que satisfaz à sua necessi­dade espiritual é o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra. Os ensinos bíblicos do Deus pessoal, santo, justo e mi­sericordioso, Autor da vida, com autoridade absoluta sobre todos os corpos celestes e todas as criaturas nos céus e na terra não se submetem às provas científicas, à parte da fé. Mas é poderoso o apelo de Deus ao espírito faminto do homem.11 Como os pro­blemas intelectuais de Jó foram resolvidos pelo restabelecimento da comunhão pessoal com o Senhor, assim o homem que aceita pela fé o Deus da Bíblia descobre que o Autor da vida está sempre com ele, operando em tudo para o bem espiritual da sua vida.

A lei moral apresentada no Velho Testamento é tacitamente aceita por todos os povos civilizados do mundo moderno. No exercício do seu livre arbítrio, o homem pode pisar os Dez Mandamentos, mas não pode mudá-los, nem apagá-los da cons­ciência humana. Como Sócrates exclamou ao seu amigo: "Diga antes, amado Agatom, que não podes refutar a verdade, pois é fácil refutar as opiniões de Sócrates."

A continuidade, a coerência, a unidade e a harmonia de* todas as partes dos ensinos fundamentais do Antigo Testamento, nas várias épocas da história, representam a orientação dos pro­fetas por uma inteligência superior. Ora, a verdade da revelação de Deus nas escrituras bíblicas, como a verdade de proposições comuns, deve ser julgada pelo conjunto de todas as provas. Seguindo este modo de julgar, o caráter de Deus12 apresentado no Velho Testamento não pode ser explicado, senão de acordo com o próprio testemunho coerente, persistente e unânime de escritores que tiveram a firme convicção de que tinham rece­bido do Senhor as suas mensagens.


[1]H. H. Rovvley, The Re-Discovery of the Old Testament, p. 190.

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“Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos dará; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.” Lucas 6:38

SOBRE O AUTOR:
Josias Moura de Menezes

É formado em Teologia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Licenciatura em Matemática. É especialista em Marketing Digital, Produção Audiovisual para Web, Tecnologias de Aprendizagem a Distância, Inteligência Artificial, Jornalismo Digital e possui Mestrado em Teologia. Atua ministrando cursos de capacitação profissional e treinamentos online em diversas áreas. Para mais informações sobre o autor <clique aqui>.

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2 comentários em “Texto 02. Teologia Bíblica do Antigo Testamento. (Para as turmas do curso teológico do Betel Brasileiro)”

  1. PASTO JÁ ESTOU TE SEGUINDO NO TWITER,GOSTARIA DE OBTER ALGUMA ORIENTAÇÕES, POIS ESTOU FAZENDO UM CURSO DE TEOLOGIA E TENHO MUITAS DÚVIDAS !!!

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