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Texto 04. Teologia do Antigo Testamento: A ORIGEM, A NATUREZA E O DESTINO DO HOMEM.

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Aula ministrada pelo Pr Josias Moura no curso de Teologia do Antigo Testamento

Texto 04. Teologia do Antigo Testamento:

A ORIGEM, A NATUREZA E O DESTINO DO HOMEM

Não há, em toda a literatura, uma obra tão rica como o Velho Testamento quanto à exposição da natureza paradoxal do homem. Não há uma fonte mais importante do que a Bíblia que nos aju­de no entendimento da natureza e das necessidades do homem, tão desconhecido, até nesta época de tanto progresso no estudo das ciências e da humanidade. Tão variados e complicados são os ensinos bíblicos do Velho Testamento sobre o homem que não é fácil recolher e sistematizar todo o material que facilite o entendimento do assunto.

O conceito da Unidade da raça

O Velho Testamento ensina a unidade da raça. Como o povo de Israel se originou de Abraão e se multiplicou por Isaque e Jacó, e as suas gerações sucessivas, assim também todas as nações do mundo são de um só sangue. Mais do que uma nação se originou de Abraão, como também do seu filho Isaque, mas todos os descendentes de Jacó constituem o povo de Israel.

Todos os povos, raças e nações são descendentes de Noé. As famílias dos três filhos de Noé se separaram, e assim come­çaram o desenvolvimento de todos os povos que estão na face da terra. Os benefícios do concerto que Deus fez com Noé, as pro­messas divinas e as obrigações humanas, se estendem a todos os povos do mundo (Gên. 9:1-17).

Com a confusão e a multiplicação das línguas, os homens iam-se separando cada vez mais uns dos outros (Gên. 11:4-9), criando, assim, problemas de desentendimento, desconfiança, e até de inimizades e guerras.

Todas as pessoas são dependentes das suas respectivas uni­dades sociais, nações, tribos, clãs e famílias.

A variedade de na­ções é devida às línguas diferentes, lutas e guerras, migrações, e adaptações às condições geográficas e históricas.

A Criação do Homem

O livro de Gênesis apresenta duas explicações da criação do homem (1:26-30; 2:4-7, 18-22).

Comecemos pela segunda explicação:

De acordo com a segunda, que é geralmente considerada a mais antiga, Deus formou o corpo do homem do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o fô­lego da vida, "e o homem se tornou alma vivente".

Os animais também são denominados almas viventes (Gên. 2:19). Mas, nesta narrativa, o homem se distingue dos animais pela sua natureza moral. O Senhor o pôs no Jardim do Éden para o lavrar e o guardar, e lhe deu uma ordem que elevou e encareceu a sua dignidade. Até a proibição de não comer da árvore da ciência do bem e do mal visava o seu bem-estar, e o desenvolvimento da sua natureza moral, em obediência ag seu Criador.

Deus lhe criou uma companheira digna de tomar o seu lugar ao lado dele, a única criatura capaz de entendê-lo, amá-lo, e de esforçar-se com ele no desenvolvimento recíproco da vida boa, no gozo das bênçãos da camaradagem. "Portanto, deixa o ho­mem a seu pai e a sua mãe e se une à sua mulher, e se tornam uma só carne" (Gên. 2:24).

A primeira explicação:

É claro que esta narrativa é simples e antropomórfica, e inferior à do primeiro capítulo, que apresenta o elevado concei­to do homem criado à imagem e à semelhança de Deus, mas teve influência nas escrituras da Bíblia, e não fica sem alguma importância teológica.

Há diferenças nos pormenores das duas narrativas, mas concordam na verdade essencial de que o ho­mem foi criado por Deus, e de que é superior às outras criatu­ras na sua natureza moral e na sua responsabilidade perante o seu Criador, com a liberdade evidente de obedecer ou desobe­decer às ordens divinas.

Alguns teólogos exageram as diferenças entre as duas nar­rativas até o ponto de tirar conclusões infundadas, como esta: "Não foi de maneira alguma a intenção de Deus que este Adão e esta Eva fossem os pais da humanidade." A narrativa não diz, nem indica isto. É presunçoso especificar, na base da nar­rativa, qual foi a intenção do Criador quanto a este casal.

A interpretação de Koehler baseia-se no mito, que é a fonte origi­nal da narrativa bíblica, segundo a sua opinião. Para o redator final de Gênesis, não havia contradição essencial nas duas nar­rativas. Para ele, este Adão e esta Eva são evidentemente o macho e a fêmea, ou o homem e a mulher, de Gênesis 1:27. O conceito de casamento de 2:24 está em perfeita harmonia com 1:28. CR. North reconhece o valor teológico da antiga narrativa da criação, na seguinte observação: "Esta explicação, muito an­tropomórfica, não foi feita exatamente obsoleta quando foi es­crita a narrativa que evita o uso de antropomorfismos."

O teólogo não pode desprezar esta narrativa da criação do homem, segundo Gênesis 2:7, porque a sua importância é lar­gamente reconhecida na Bíblia. A ênfase bíblica concorda com a ciência moderna quanto à relação do homem com a natureza. "No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; pois tu és pó, e em pó te tornarás" (Gên. 3:19). "Assim o Senhor Deus o expulsou do Jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado" (Gên. 3:23). A Bíblia é realista nos seus ensinos sobre o homem, e fala francamente das suas fraquezas, da sua ignorância, das suas imperfeições, dos seus sofrimentos e da sua mortalidade.

"Pois o homem nasce para o sofrimento, Como as faíscas voam para cima" (Jó 5:7).

"Os homens de classe baixa são vaidade, Os homens de ordem elevada uma ilusão" (Sal. 62:9).

"Os dias do homem são como relva. Como flor do campo, ele floresce;

Pois passa o vento sobre ele, e desaparece" (Sal. 103:15, 16).

muitos outros trechos que descrevem as limitações do homem na sua ignorância e fraqueza, e da sua dependência do Criador. Muitas destas passagens se acham ao lado de declara­ções de agradecimento pelas maravilhosas bênçãos do amparo divino.

A relação do homem com as outras criaturas determina mui­tas das suas frustrações e fracassos, e a incapacidade de vencer as restrições do seu ambiente físico. Ele tem que sofrer as con­seqüências das calamidades da natureza física, a doença e a morte, como os animais.

Mas apesar de todas as fraquezas de que o homem e os animais compartilham, o homem se dis­tingue deles pelo fôlego de vida, que o habilita a receber a ordem divina e aceitar a responsabilidade de obedecer à voz do Criador. As limitações do homem, segundo esta narrativa primitiva, são experimentadas pelas gerações sucessivas da humanidade, e assim têm sido um meio efetivo de despertar nas criaturas huma nas o sentido das suas necessidades espirituais, e o desejo de correr ao Criador para receber o socorro divino.

A outra narrativa da criação (Gên. 1:26-30) é livre de antro­pomorfismos, e apresenta o alto conceito do homem criado à imagem e à semelhança de Deus. Nesta passagem, o termo homem, ou Adão, abrange o homem e a mulher. A mulher foi criada juntamente com o homem, como seu igual, e não depois dele, para ser a sua adjutora.

Embora não haja contradição essencial entre as duas narrativas, é claro que o casal desta nar­rativa representa o homem ideal, nas suas potencialidades espi­rituais, e na sua nobreza como o alvo e a coroa da criação. Não se contradizem estes dois pontos de vista acerca do homem, nem representam dois tipos de homem, como dizem alguns.

O Velho Testamento, em todos os seus ensinos, reco­nhece a natureza complexa do homem indicada nestas duas nar­rativas. Ele representa o mais alto grau, ou o clímax, no processo da criação divina, a única das criaturas que atinge o nível mo­ral e espiritual. É o seu caráter moral, com a liberdade e a res­ponsabilidade de escolher entre o bem e o mal que determina a complexidade da sua natureza. Esta narrativa (Gên. 1:26-31), juntamente com as escrituras diretamente relacionadas com ela, visa o homem no seu aperfeiçoamento espiritual, enquanto a outra antecipa as conseqüências do abuso da sua liberdade.

Não é difícil reconhecer as referências e as alusões das Es­crituras a esta passagem, quando se observa como os escritores interpretam as atividades de Deus na história de acordo com o seu propósito na criação do homem. A Bíblia visa a natureza do homem em relação com o propósito do seu Criador.

Feito "pouco abaixo de Deus" (Elohim), coroado com "gló­ria e honra", o homem, abaixo do Senhor, tem domínio sobre os animais e sobre todas as obras da natureza (Sal. 8:4-8). "Assim criou Deus o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: "Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que se move sobre a terra. …E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom" (Gên. 1:27, 28, 31).

Assim a Bíblia apresenta o homem como a mais honrada das criaturas da terra, dotado com característicos morais que o habilitam para a vida feliz de comunhão com o seu Criador, segundo a orientação divina.

A Relação do Homem com o Seu Grupo

A palavra Adão significava originalmente o homem na sua coletividade (Gên. 1:26), ou um ser humano (Gên. 2:5).

O homem está ligado não somente aos contemporâneos do seu grupo, mas também aos seus antepassados e à sua semente10 após ele. Deus fez o seu concerto no Monte Sinai, com o povo de Israel, que desde então chamava-se o povo de Deus, seu povo ou teu povo, e assem­bléia ou a congregação de Israel. Este povo assim se distin­gue de todos os outros povos do mundo, por sua relação espe­cial com Deus.

Na discussão da relação do homem com o seu grupo, muitos se esquecem da natureza complexa e paradoxal do homem, e julgam que a sua dependência, e a sua solidariedade com o grupo lhe tenham roubado a individualidade.

Diz Baab, por exem­plo: "A pura individualidade não se encontra no Velho Testa­mento",11 e isto depois da mais importante declaração no se­gundo parágrafo do capítulo: "Esta história é altamente pessoal, pois devota a sua atenção a muitos indivíduos de ambos os sexos, que ocuparam posições de importância na nação."

A verdade é que havia uma tensão no espírito do homem do Velho Testa­mento entre os seus sentimentos de dependência e de indepen­dência do grupo. Os exemplos numerosos de apostasia religiosa, bem como o personalismo que resultaram nas rivalidades e re­voltas políticas, testificam amplamente das renúncias da depen­dência absoluta do grupo, e até, em alguns casos, da própria família.

No período primitivo da história de Israel, quando as tribos lutavam com os cananeus, pela sua própria sobrevivência, a so­lidariedade do povo era mais necessária, mais importante para o grupo inteiro, e recebeu mais ênfase, mas erram aqueles que dizem que Jeremias e Ezequiel descobriram o indivíduo. A ver­dade é que o homem nunca foi considerado apenas como mem­bro do seu grupo sem qualquer responsabilidade pessoal. Nem se livrou da dependência do grupo desde Jeremias e Ezequiel. Como foi observado em outro lugar, a psicologia do povo de Israel apresenta problemas para o intérprete do homem bíblico, mas é fácil exagerar e interpretar erradamente a psicologia dos escritores do Velho Testamento.12

Apresenta-se em Êxodo 20:5, 6, um princípio que não se li­mitou aos israelitas no período do Velho Testamento, mas que onera eternamente na vida da humanidade. "Eu, o Senhor, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam, mas mostro amor constante e fiel (hesed) aos milhares que me amam e guardam os meus mandamentos."

Diz-se, às vezes, que este prin­cipio representa uma injustiça para a raça humana. Citam-se as conseqüências da iniqüidade dos homens maus em posições de poder e, com a sua autoridade e influência, praticam todas as qualidades de opressão e injustiça contra píBSoas inocentes.

O livre arbítrio do homem opera de acordo oom este princípio da unidade da raça. "O Senhor, o Senhor é misericordioso (rahum), e compassivo (hanun), tardio em irar-se, grande em amor constante e fiel (hesed) e verdade (‘ame th), que guarda a amorável benignidade (hesed) em milha­res, perdoando a iniqüidade (‘avon), a transgressão (pesha’) e o pecado (nata’), mas de maneira alguma terá por inocente o culpado" (Êx. 3.4:6, 7). É a lei da herança moral. Quem pode, ou quem deseja escapar dela?

O enredamento dos filhos nas conseqüências dos atos e das obras dos pais é um exemplo do amor e da justiça de Deus. O mesmo princípio que traz sobre os filhos as más conseqüências dos pecados dos pais, também transmite a herança preciosa de pais piedosos e justos às gerações sucessivas. Se pudesse haver um homem inteiramente desunido e desassociado de sua raça, então seria injusto que ele participasse das conseqüências das obras boas ou más aas gerações passadas. Mas não há ninguém sem o umbigo, que testifica de sua relação com os seus inume­ráveis antepassados. Não é menos desassociado da raça na sua vida intelectual e espiritual. Somos herdeiros da cultura de todas as gerações que nos precederam. Que seria do mundo habitado por indivíduos absolutamente independentes uns aos outros? Todos que se regozijam na herança recebida dos antepassados têm amplos motivos de gratidão por este princípio, com os resul­tados maus e bons na sua vida.

A sociedade moderna sofre por causa dos pecados de seus membros, e em muitos casos tem que aceitar uma medida da culpa de seus delinqüentes. Este princípio da solidariedade do grupo é mais acentuado no Velho Testamento. Mas Baab exa­gera, por exemplo, na interpretação do castigo dos filhos de Coré, indicando que apenas os quatro líderes eram os culpa­dos, e que todos os outros castigados eram inocentes. É claro, porém, que todos os castigados tinham participado ativamente na revolta (Núm. 16:5-7, 16, 24).

Está-se manifestando na sociedade moderna uma forte ten­são entre o indivíduo e a sociedade. A filosofia comunista vai mais longe do que o Velho Testamento na importância que dá ao grupo, com desprezo dos direitos do homem individual.

Israel se distingue das outras nações, na defesa dos direitos pessoais que nem o rei tinha o direito de lhe roubar. Na ocasião de estabelecer a monarquia, o profeta Samuel admoestou o povo contra o perigo da opressão dos reis. Natã repreendeu o rei Davi pelo pecado de adultério e pelo homicídio de Urias. O pro­feta Elias censurou severamente Acabe por ter acedido ao con­selho da esposa Jezabel, a fenícia, e matado o seu vizinho Nabote, a fim de tomar a sua vinha. Todos os profetas insistiram na sua chamada pessoal da parte de Deus, com a missão de transmitir e defender a revelação da vontade de Deus, com responsabilidade direta e pessoal perante Deus. Eles defenderam os direitos dos fracos contra a opressão dos fortes, os direitos do povo contra os reis tirânicos, das viúvas, dos órfãos e dos desamparados contra os ricos.

Ana, a mãe de Samuel, orou fervorosamente ao Senhor no Tabernáculo, e quando foi repreendida pelo sacerdote Eli, ganhou o apoio dele pela sinceridade da sua fé pessoal. Seu lindo cân­tico (I Sam. 2:1-10), citado em parte pela mãe de Jesus, concor­da perfeitamente com o seu retrato literário, apresentado no livro de Samuel.

Esta questão de dependência do homem do Velho Testa­mento do seu grupo é complicada, como é também complicada, com variações, a relação do homem moderno com o povo da sua nação e com o seu governo. Os grandes profetas do Antigo Testamento têm mensagens de valor prático na solução destes problemas.

A Natureza do Homem do Velho Testamento

No estudo deste assunto encontram-se vários termos he­braicos de interesse especial. As palavras bassar (corpo, carne), leb, lebab (coração), kelayoth (rins) referem-se a órgãos do corpo.

Nephesh (alma) e ruah (espírito) referem-se a elementos invisiveis do homem.

A relação entre a mente e o corpo do homem é um estudo de interesse perene para o psicólogo moderno, como o é para o estudante e o teólogo do Velho Testamento.

Foi examinada a etimologia da palavra ruah (espírito) no estudo do Espírito do Senhor, notando-se como a palavra é usa­da em tantos sentidos diferentes: Quando se refere ao espírito do homem, pode designar o temperamento, o impulso ou a dis­posição, como "o espírito de ciúmes" (Núm. 5:14 — 30); "angústia do espírito" (Jó 7:11, 14); "espírito quebrantado" (Sal. 51:17); "espírito arrogante" (Prov. 16:18); "ânimo precipitado" (Prov. 14:29); "ardor do espírito" (Ez. 3:14); "espírito fiel" (Prov. 11:13); "O espírito contrito e humilde" (Is. 57:15); "espírito perturbador" (Dan. 2:1); "espírito imundo" (Zac. 13:2); "espírito mentiroso" (II Crôn. 18:21); "espírito mau" (I Sam. 16:14); "poder do espí-….." (Miq. 3:8), e com vários outros sentidos.

Em Eclesiastes 3:18-21, ruah tem quase o mesmo sentido de nephesh (alma). Em Jsaías 26:9 e Jó 7:11, ruah e nephesh são sinônimos. A palvra nephesh, como ruah, é usada em vá­rios sentidos, mas não é o equivalente geral de ruah.

Deus forma o espírito no homem (Zac. 12:1), e o preserva (Jó 10:12). Quando o homem morre, o espírito volta a Deus (Ecl. 12:7). Assim o espírito é geralmente reconhecido como o elemento mais importante do homem, o qual ele recebe de Deus. O espírito de juízo (Is. 28:6); o espírito de sabedoria (êx. 28:3), e o espírito profético (Is. 61:1) são todos manifestações do Es­pírito do Senhor.

Os hebreus faziam uma distinção clara entre o espírito e a carne (bassar) do homem. O homem é carne (bassar), anima­do pelo espírito (ruah), assim se tornando uma alma ou ser vivente (nephesh).

O espírito que o homem recebe de Deus é o fôlego de vida (nishmath hayim). Quando o ruah do homem volta a Deus, a carne (bassar) volta à terra como era (Ecl. 12:7; Sal. 146:4). Assim o ruah é o fôlego da vida (nishmath hayim) pelo qual o homem se torna vivo Ez. 37:10).

Em Jeremias 15:9 a mulher exalou a sua nephesh, o espírito, a alma, a vida. Assim nephesh também tem uma variedade de sentidos, como ser vi­vente, vida, alma, pessoa, paixão, emoção, desejo, apetite. Pode também significar a vida de qualquer animal (Deut. 12:23-24).

A palavra leb ou lebab significa coração, mente, inteligên­cia, vontade, consciência, íntimo. Depois a consciência (leb) doeu a Davi, por ter cortado a orla do manto de Saul" (I Sam. 24:5). O coração é geralmente considerado como a sede da inte­ligência e da vontade (Is. 10:7).

É difícil fazer uma distinção exata entre nephesh, ruah e leb do homem. O pensamento pode representar a atividade de qualquer um destes três órgãos, mas isto não quer dizer que as palavras são sinônimos, a não ser em sentido muito limitado. Na totalidade do seu ser, o homem pode ser designado por nephesh, mas ele tem um ruah e um leb. Convém lembrar que nephesh tem vários outros sentidos.

O ruah (espírito) é geralmente considerado o elemento mais importante do homem, É de Deus que o homem recebe o es­pírito. A mesma palavra refere-se ao Espírito de Deus e ao espírito do homem. É o Espírito do Senhor que inspira e controla os profetas. É o Espírito do Senhor que habilitou o profeta para falar ao povo de Israel no cativeiro (Is. 61:1).

Habilitado pelo Espírito do Senhor (li Crôn. 15:1; 24:20; Neem. 9:30; Miq. 3:8), o profeta podia entender e falar a mensa­gem de Deus. Os profetas conscienciosos insistiam em que, com apenas os seus próprios recursos humanos, eles não podiam profetizar. Habilitados pelo espírito profético, que lhes vinha de Deus, eles não podiam deixar de profetizar. O Servo do Senhor, na segunda parte de Isaías, sempre se orientava pelo Espírito de Deus (Isaías 42:1; 49:1-13; 50:1; 52:13-15). É o Espírito do Senhor Deus que produzirá o novo espírito de Israel, e o cora­ção revivificado (Ez. 36:26, 27; 37:14).

O poder, a força e a vida são característicos do espírito do homem, mas todos os poderes do homem vêm de Deus. O Espírito do Senhor é representado como o poder especial que desperta e habilita o homem para fazer a vontade de Deus. Com auxílio do Espírito do Senhor o homem fica habilitado para fazer coisas que ele na sua própria força é completamente in­capaz de fazer.

Os rins (kelayoth), as entranhas (mayim), e uma vez o fí­gado (kabad) são representados como órgãos da emoção ou dos sentimentos. O coração é o órgão de todas as qualidades de pensamento e de emoções que revelam o caráter do homem.

Enquanto a psicologia do Velho Testamento se apresenta em termos diferentes dos da psicologia dos cientistas modernos, não há diferença essencial entre os resultados dos dois sistemas. Não se encontra no Antigo Testamento a palavra cérebro, mas os processos de pensar, raciocinar, meditar, distinguir, julgar e escolher são bem conhecidos.

São os elementos básicos da personalidade do homem do Antigo Testamento, o corpo, o espírito e a alma, ou apenas o corpo e o espírito?

· O Velho Testamento não tem uma palavra que seja o equivalente exato de corpo no sentido moderno da palavra, mas a palavra carne é usada quase no mesmo sentido de corpo.

· Por falta de distinções nítidas no sentido dos termos hebraicos, e o uso da palavra nephesh (alma) em tantos senti­dos diferentes, não é fácil provar que o homem bíblico é ape­nas corpo e espírito.

· Mas, considerando que a alma (nephesh) é a vida, o resultado da união do espírito (nishmath hayim) e o corpo, os nossos termos modernos corpo e espírito abrangem os elementos integrantes do homem bíblico.

Porém, com o uso da palavra grega psique (alma, vida, coração), no Novo Testa­mento, e especialmente por Jesus (Mat. 10:28; 11:29), é difícil para os crentes, na prática, deixarem de pensar no corpo, espí­rito e alma — a tricotomía da personalidade.

· Não há diferença essencial entre a alma e o espírito do homem. Como diz Davidson: "O espírito do homem e a alma do homem não são coi­sas diferentes, mas a mesma coisa sob aspectos diferentes”.

A Natureza Religiosa do Homem

Com este estudo dos elementos essenciais do homem bíbli­co, foram observados alguns característicos do seu espírito, ou da sua vida.

O espírito é o elemento humano que está mais aliado com Deus, e que tem o poder ou a capacidade de receber a orientação divina e as influências benéficas do Espírito do Senhor.

A Bíblia foi escrita na linguagem popular da época, e, não obstante a dificuldade de seus antropomorfismos e a diferença entre a sua psicologia e a dos eruditos modernos, a natureza espiritual do homem do Velho Testamento não é essencialmente diferente da do homem moderno.

Apesar da sua ignorância científica do corpo do homem, é inegável que os escritores bí­blicos tinham profundo conhecimento da sua natureza espiri­tual. Descrevem em traços largos a covardia e a coragem, a vacilação e a persistência, a arrogância e a humildade, o desâ­nimo e o vigor, as dúvidas e a fé, dos filhos de Israel. Os livros históricos, poéticos e proféticos tratam largamente das neces­sidades e aspirações religiosas do povo e testificam freqüen­temente do seu regozijo pessoal na comunhão com Deus.

O Espírito de Deus, que é Deus mesmo, transmitido ao homem, dá-lhe a vida intelectual, moral e religiosa. É este es­pírito invisível que distingue o homem das outras criaturas de Deus. O antropomorfismo do escritor bíblico representa Deus como possuindo fôlego, o princípio da vida, que soprou nos na­rizes do homem, com o resultado de que este se tomou alma vivente (Gên. 2:7).

É este espírito vital do homem, recebido de Deus, que de­termina a sua natureza religiosa.

"Enquanto o meu fôlego (níshmati) está em mim, E o espírito (ruah) está em meus narizes" (Jó 27:3).

"Quando tiras o seu espírito, eles morrem e voltam ao seu pó. Quando envias o teu Espírito, eles são criados" (Sal. 104: 29, 30).

Assim o homem do Antigo Testamento fica habilitado para entender e fazer a vontade de Deus, com o auxílio que recebe de Deus por intermédio dos profetas. Deus honrou e exaltou o homem com o privilégio de gozar comunhão espiritual com ele, e distinguir-se como o seu servo na terra, ao lado dos anjos que o servem nos céus. "Mas serei contigo; e isto te será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres trazido o povo do Egito, servireis a Deus neste monte" (Êx. 3:12). "Deixa ir o meu povo, para que me sirva" (êx. 8:1, 20; 9:1, 13; 10:3, 7).

Ao lado deste propósito divino, que o homem foi feito para servir ao seu Criador, é a fome espiritual do homem, e o desejo de achar paz, descanso e regozijo em harmonia com a vontade e o amor do seu Deus.

Na sua natureza espiritual o homem é muito diferente de Deus, e está muito longe de Deus, mas como criatura espiritual, ele é capaz de gozar comunhão com Deus, porque o seu espírito tem afinidade com o Espírito do Criador, a afinidade que lhe foi concedida no ato da criação. Portanto, ele tem o privilégio e a sagrada obrigação de manter esta comunhão, e assim cum­prir o propósito divino na sua criação.

É o homem religioso que sente mais profundamente a sua dependência de Deus. A sua confiança, a sua gratidão, e o seu sentido de dependência de Deus é especialmente notável no livro dos Salmos. Neste livro de culto dos homens piedosos de Israel, nota-se a paz espiritual dos homens que descansam em Deus.

"Em paz me deitarei e também dormirei, Porque só tu, Senhor, me fazes habitar em segurança" (4:8).

"O Senhor dá força ao seu povo; O Senhor abençoa o seu povo com paz" (29:11).

"Ainda que eu ande peio vale da sombra da morte, Não receio ma! algum, porque tu és comigo" (23:4).

O Senhor é o refúgio dos pobres (14:6), o auxílio sem falta em tribulações (46:1), o salvador e sustentador dos doentes (38: 5, 6, 21; 41:3), a salvação, a glória, a força e o refúgio dos aflitos que nele confiam (62:7).

Deus é o alvo da fé e da esperança, o bem supremo do ho­mem piedoso.

"Disse ao Senhor: Tu és Senhor meu, Além de ti não tenho outro bem" (16:2).

"ó Deus, tu és o meu Deus; eu te busco, A minha alma tem sede de ti, a minha carne te an­seia" (63:1).

"O teu amor constante é melhor do que a vida" (63:3).

"A quem tenho eu nos céus senão a ti, E na terra não há quem eu deseje além de ti" (73:25).

"Quanto a mim, a proximidade de Deus é a minha felici­dade" (73:28).

Assim o Velho Testamento reconhece que o homem foi cria­do para Deus, e que não pode ser feliz sem achar descanso no seu Senhor.

Característicos do Pensamento do Homem do Velho Testamento

Em outros lugares foram discutidos a psicologia dos he­breus, e os antropomorfismos de seus escritores. Crendo na afinidade do seu espírito com o Espírito do Senhor e que forças de fora podiam invadir o espirito humano, o hebreu julgava-se capaz de reconhecer a operação do Espírito de Deus no seu coração e na sua vida. Ligado com o seu reconhecimento da justiça do Senhor, o hebreu pensava segundo as formas da jus­tiça na sociedade humana.10

O modo de pensar do hebreu era notavelmente teocêntrico. Não tinha a mentalidade científica no sentido moderno da ciên­cia. Não pensava em causas secundárias. Ligado com o seu reconhecimento das atividades diretas do Espírito do Senhor no seu espírito, o hebreu acreditava que Deus é o Causador direto de tudo que acontece no mundo. Há, todavia, uma modifica­ção gradual desta idéia de que Deus faz tudo, com o desenvol­vimento do ensino sobre Satanás como o adversário do Senhor e o promotor das forças do mal no mundo.

Pensando que Deus é o Causador direto de tudo que acon­tece, sem o reconhecimento de causas secundárias, não distin­guiam nitidamente entre as operações da natureza física e a,s atividades diretas de Deus ou o milagre. Os israelitas reconhe­ceram os sinais (othoth) e as maravilhas (mophet e pala) do Senhor, mas nem todos estes eram milagres, segundo a defini­ção estrita do milagre bíblico. As operações de Deus através da natureza física eram maravilhosas para o povo de Israel (Sal. 145:16).

Mas o maior de todos os milagres, segundo alguns dos pro­fetas, foi o amor persistente (hesed) do Senhor que preservou o povo escolhido e o guiou através de todos os sucessos im­previstos da sua história.

Não obstante os antropomorfismos dos escritores do Velho Testamento, o conceito de Deus que se apresenta no Decálogo, e através dos seus escritos, é que o Senhor é Espírito puro. Reconheciam que Deus podia assumir forma de anjo ou de homem, e assim se apresentar aos patriarcas e outros, todavia, não era a forma, mas a mensagem transmitida que tinha impor­tância.

Com todas as suas experiências de comunhão direta com Deus, e as comunicações ou revelações transmitidas ao seu entendimento, eles reconheciam a impossibilidade de adquirir ou receber conhecimento perfeito ou completo da natureza de Deus.

Para os israelitas, a verdadeira justiça (righteousness) é de Deus. O conceito hebraico de justiça é mais antigo e está mais firmemente baseado do que o conceito grego, que foi desen­volvido na base filosófica.

A Assembléia Legal dos israelitas, composta de príncipes, anciãos ou oficiais reconhecidos, podia reunir-se em qualquer lugar quando havia necessidade de seu serviço. Há um inci­dente na vida do profeta Jeremias que oferece uma ilustração da presteza e eficiência da Assembléia.17

Apresentando-se no átrio da casa do Senhor, o profeta de­clarou que tinha recebido do Senhor a seguinte mensagem: Se o povo não se arrependesse e se não se convertesse de seu mau caminho, e se não andasse na lei do Senhor, o templo seria des­truído como fora destruído o tabernáculo em Siló, e a cidade seria uma maldição para todas as nações da terra. Quando a multidão acabou de ouvir a palavra de Jeremias, os sacerdotes, os profetas e o ‘povo pegaram nele, dizendo: "Certamente mor­rerás." Os príncipes, juízes da Assembléia, se reuniram e se nssentaram à entrada da porta nova da casa do Senhor. Ouvi­ram primeiro as queixas dos sacerdotes e profetas. Depois Je­remias, em poucas palavras, apresentou dignamente a sua defe­sa. Então os juízes pronunciaram o seu veredito: "Este homem não é réu de morte, porque nos falou em nome do Senhor nosso Deus" (Jer. 26:16).

Alguns dos profetas nos declaram que nem sempre pre­valecia a justiça, mas o ideal, reforçado pela pregação dos pro­fetas, exerceu uma influência poderosa e permanente na vida de Israel.

Não se pode identificar o homem do Velho Testamento com qualquer elemento do seu corpo ou do seu espírito. É um ser vivente, uma realidade. Não se esforçava para analisar a sua natureza, mas reconhecia a interdependência do corpo e da inte­ligência, sem se envolver em problemas de psicologia. Não en­trava no seu pensamento a idéia de que o pecado residisse na matéria ou na carne do homem. A interdependência do corpo e do espírito também complicava, para ele, o problema do seu destino depois da morte.

A prática da justiça nos seus negócios com o próximo e na vida social, segundo os mensageiros do Senhor, é a obriga­ção ética do homem, que é sempre reconhecido como capaz de fazer escolhas morais. Ele podia desprezar os mestres da ética e desafiar o padrão da justiça divina e a consciência do seu grupo social, mas não podia escapar à condenação dos profe­tas do Senhor. Não obstante qualquer influência dos malfeito­res ricos e poderosos, os mensageiros de Deus proclamaram com insistência e devoção os princípios eternos das exigências do Senhor justo, exigências sempre apoiadas pela consciência esclarecida da humanidade.18

As denúncias da opressão dos pobres, da avareza, da hipo­crisia e de muitos outros pecados do povo, pelos mensageiros do Senhor, enaltecem os motivos e os característicos da ética bíblica. Por causa de seus privilégios especiais de conhecer o Senhor da justiça, as iniquidades dos israelitas serão castigadas mais severamente (Am. 3:2; Is. 5:1-7). Oséias, Amós, Miquéias e Isaías são designados, às vezes, como os profetas éticos, mas eram primeiramente mensageiros do Senhor da justiça, que re­quer o amor da beneficência. Nascido no forno da aflição, Israel recebeu do seu Salvador a revelação das verdades básicas da lei moral nos Dez Mandamentos. Os profetas trovejam contra o abuso da lei moral.

"Ouvi esta palavra, vós, vacas de Basã, … Que oprimis os pobres, e esmagais os necessitados" (Am. 4:1).

"Ai daqueles que maquinam a iniqüidade E planejam o mal nas suas camas! Quando raiar o dia, o praticam, Porque está no poder da sua mão.

Cobiçam campos, e apoderam-se deles; Cobiçam casas, e arrebatam-nas" (Miq. 2:1-3).

Isaías também condena a avareza dos ricos na aquisição dos campos dos pobres.

"Ai dos que ajuntam casa a casa, E achegam campo a campo, Até que não haja mais lugar, E habitam sós no meio da terra!" (Is. 5:8).

O Homem Criado à Imagem e à Semelhança de Deus

Teólogos modernos do Antigo Testamento têm pouco a dizer sobre a imagem divina no homem. Dizem que a idéia aparece apenas na narrativa sacerdotal, ou P, e que a outra narrativa, ou J, nada sabe da semelhança divina em Adão e Eva (Gên. 2:7, 22, 23). Assim "a imagem" ou "a semelhança de Deus" é men­cionada apenas em Gênesis 1:26, 27; 5:1 e 9:6.

É claro que o redator final de Gênesis preservou as duas narrativas da criação porque julgava que ambas eram impor­tantes. São complementares e harmoniosas, e não contraditórias. Não se pode negar a significação dos pontos de vista diferen­tes dos escritores do Antigo ou do Novo Testamento. Cada es­critor apresenta a sua própria contribuição, que geralmente tem valor especial. É inegável que a doutrina da criação é de impor­tância especial, com ramificações nos ensinos dos escritores bíblicos, e que as duas narrativas da criação têm a sua influên­cia na literatura bíblica, e por isso têm valor no estudo da teolo­gia do Velho Testamento.

Embora mencionado poucas vezes, este conceito do homem criado à imagem de Deus concorda perfeitamente com o teor dos ensinos bíblicos sobre a dignidade e a responsabilidade do homem. A segunda narrativa da criação, com ênfase no fato de que o espírito do homem veio do Espírito de Deus (Gên. 2:7), explica a afinidade do homem com o Espírito de Deus. A possi­bilidade de comunhão entre Deus e homem depende absoluta­mente desta semelhança entre Deus e o homem.

Alguns pensam que a imagem divina significa apenas a auto­ridade do homem sobre os animais. "E Deus os abençoou, e lhes disse: Frutificai, multipllcai-vos, enchei a terra a sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e nobre todos os animais que se arrastam sobre a terra" (Gên. 1:28). Mas a mera autoridade sobre os animais tem pouca im­portância em relação com a imagem divina no ser humano. É em virtude de sua semelhança com Deus que o homem recebe u promessa de autoridade sobre os animais.

O homem recebe uma ordem e uma responsabilidade, reco­nhecimento da sua dignidade, mas tem que se esforçar para estabelecer a sua autoridade (Gên. 1:28-31). Terá domínio como recompensa do seu trabalho. A história da luta e do progresso do homem é um comentário sobre o significado da ordem e da promessa. O homem tem que se dominar a si mesmo antes que possa dominar e subjugar a terra. À medida que realizar o seu destino espiritual, assim dominará a terra. No esforço de dominar a natureza, o homem tem que se lembrar da sua de­pendência e da sua responsabilidade perante Deus.19

Baseando-se no contraste entre o homem de corpo ereto e os animais, alguns julgam que a imagem está no corpo do homem. Mas o corpo humano, maravilhoso como é, pode ser usado para provar apenas que ele é superior aos animais. Não pode ser semelhante a Deus no seu corpo, porque Deus é Espí­rito, e não tem forma humana. Todavia, não se pode despre­zar o valor do corpo do homem no cumprimento da ordem de sujeitar a terra e dominar os animais. A potencialidade da mão humana, com o polegar, é maior do que a mais poderosa má­quina no mundo, porque a máquina deve a sua existência fi­nalmente à destreza e à eficiência da mão do homem. Mas é preciso lembrar ainda que a mão, em todos os seus trabalhos, recebe as suas ordens da inteligência do seu dono.

Em que consiste, então, a semelhança divina no homem? Deus é Espírito; o homem é espírito e corpo. Não entendo, por­tanto, porque deveria haver especulações a respeito da ques­tão.20 Os escritores do Novo Testamento entenderam perfeita­mente a natureza da imagem divina no homem original (João 4:24; Ef. 4:24; Col. 3:10).

É claro que a imagem e a semelhança divina se acham na personalidade do homem. Deus se apresenta como Pessoa atra­vés de todas as Escrituras do Velho Testamento. Há dois ca­racterísticos essenciais da personalidade: a consciência própria e a direção própria. É certo que a imagem divina no homem não significa uma representação perfeita de Deus. Todavia, o sal­mista ousadamente declara que ele foi feito "pouco abaixo de Deus" (8:5). Podemos verificar, pelas Escrituras, que Deus e o homem têm os seguintes característicos em comum: as faculda­des de sentir, raciocinar e querer. Ora, Deus tem estes poderes em absoluta perfeição. Nota-se, todavia, que ele não precisa raciocinar, como nós, para descobrir a verdade por um processo de lógica. Mas a Bíblia nos revela o fato de que Deus freqüen­temente ajuda os seus mensageiros, no processo de raciocinar e esclarecer as mensagens divinas dirigidas aos seus ouvintes (Sal. 94:9; Amós 3:2; Is. 1:18) e em todos os apelos à inteligência do homem.

É pela faculdade de raciocinar que o homem progride na aquisição do conhecimento das leis da natureza, e de todas as ciências. A criação proclama a inteligência do Criador. Con­fiando na inteligência, na coerência e na bondade do Criador, o homem investiga, experimenta e descobre como Deus opera através das obras da criação e aprende a cooperar com as leis de Deus na natureza física, utilizando, assim, as forças e as riquezas da natureza para o seu próprio benefício. O cientista depende da integridade do Criador quando faz experiências com a misteriosa eletricidade, ou quando lança um satélite no espaço exterior. Embora limitado na capacidade de raciocinar, o homem, no processo de adquirir novos conhecimentos, vai sujeitando a terra e aproveitando as suas riquezas.

O amor constante e persistente (hesed) de Deus para com o sèu povo através da sua história, manifestado na compaixão, na misericórdia e na bondade, é o assunto básico do Velho Tes­tamento e da teologia. Outros sentimentos são atribuídos a Deus pelos escritores do Velho Testamento, mas estes podem ser entendidos como facetas do seu amor. O homem também tem afinidade com Deus na sua capacidade de sentir emoções e entender, em parte pelo menos, o amor de Deus. É no amor da família, dos filhos e da fraternidade religiosa que o homem se sente mais perto de Deus. Percebendo, por estas bênçãos, e pelas suas experiências religiosas, o amor de Deus, o hebreu compreendeu que a essência da religião é comunhão com Deus.

Quando reconhecemos que a imagem de Deus no homem é a participação na vida pessoal de Deus, podemos entender mais claramente a natureza da liberdade e responsabilidade mo­ral do homem. É profundamente significativo que Deus deu ao homem recém-criado tão vasta autoridade e poder sobre os ani­mais e as riquezas da criação. Alguns identificam esta autori­dade com a imagem divina no homem, mas é bem claro que recebeu a autoridade em virtude da sua semelhança divina que o dotou dos dons necessários para exercer autoridade sobre os animais e sujeitar a terra.

Em toda parte no Velho Testamento a livre vontade do homem, juntamente com a sua responsabilidade moral, é re­conhecida. A liberdade e a responsabilidade são corolários da natureza ética do homem. Ele não pode ser livre sem a respon­sabilidade na prática da liberdade. Não se encontra no Antigo Testamento qualquer afirmação ou negação do livre arbítrio do homem, mas ele se apresenta com o sentido de responsabi­lidade da escolha entre o bem e o mal.

Sob a orientação de Moisés, a nação escolheu Javé como o seu Deus, com a responsabilidade moral de ouvir a sua voz e obedecer ao seu concerto. Assim, entrou em relação ética com o seu Deus. Na sua vida diária o israelita aparentemente nunca tinha qualquer dúvida sobre a sua autonomia pessoal. Geral­mente reconhecia a justiça de Deus quando tinha que sofrer as conseqüências das suas escolhas. Às vezes o hebreu tinha a coragem de escolher o bem, mesmo sabendo que tal escolha lhe traria mal-entendidos e sofrimento, como no caso de José. Não se pode duvidar da luta no espírito de Abraão quando ficou certo de que Deus lhe estava ordenando o sacrifício do filho, e quanto lhe custou obedecer à voz do Senhor na sua consciên­cia. E quantas vezes os israelitas deliberadamente escolheram desobedecer à voz dos mensageiros de Deus, na esperança de que pudessem receber benefícios da má escolha, sem sofrer as conseqüências na deterioração do seu caráter moral.

Assim o homem tem a liberdade de dirigir a sua própria vida em relação com o próximo, e em relação com o seu Deus. É perfeitamente claro que a vontade de qualquer homem é de­terminada, em parte, por circunstâncias, mas este fato não esta­belece a filosofia do determinismo, que nega por completo a liberdade do homem. Na sua orientação própria Deus é perfeito, enquanto o livre arbítrio do homem é largamente limitado por condições que ele não pode controlar, e também pelas fraque­zas humanas. O homem é criatura da sua época, da sua terra, da sua família, e o escopo da sua liberdade é assim limitado pelas experiências, e pelos preconceitos dos seus vizinhos, e também pelas influências da família.

Não obstante estas limitações, há uma liberdade prática, reconhecida por todos os escritores bíblicos, nas decisões que as pessoas têm que fazer na suas atividades diárias. Os homens em geral exercem esta liberdade sem levantar dúvidas sobre as forças que influenciam as suas escolhas, reconhecendo a res­ponsabilidade pessoal das suas decisões. Na vida pessoal, social e religiosa, todos têm que fazer escolhas morais que represen­tem o grau da própria integridade, e que têm influências ine­vitáveis, para o bem ou para o mal, na vida de outros. O Velho Testamento apresenta o homem como criatura cônscia de tais escolhas morais desde a própria criação. Nas experiências so­ciais e religiosas através da história, os israelitas receberam dos mensageiros do seu Deus, ensinos plenamente apoiados pela consciência instruída. Finalmente, o homem tem a liberdade de fazer a mais importante escolha da vida, a escolha que determi­na o rumo da vida desde então. É a liberdade de escolher ou rejeitar a Deus. "Escolhei hoje a quem haveis de servir" (Jos. 24:16).

Há uma verdade importante relacionada com o exercício da liberdade moral do homem. Escolhas morais contribuem para o desenvolvimento, ou para o prejuízo do caráter moral do homem. Cada escolha moral tem influência nas escolhas subse­quentes. Assim as escolhas concordam com o grau do desen­volvimento da integridade pessoal, e em grande parte são predeterminadas pelo caráter moral e religioso da pessoa. Este processo de desenvolvimento moral e religioso não constitui uma restrição da liberdade, mas aumenta a facilidade de fazer as escolhas morais que contribuem para o desenvolvimento da nobreza e do bem-estar espiritual do homem.

Convém fazer, em conclusão, algumas observações gerais sobre este assunto. Segundo uma teoria antiga, a imagem di­vina no homem refere-se à sua perfeição moral, como veio da mão do Criador, e que foi completamente estragada pelo peca­do. Mas esta teoria contradiz a declaração de Gênesis 9:6, que fala da humanidade geral, depois do dilúvio, como feita à ima­gem de Deus. É inegável que as Escrituras reconhecem os estra­gos do pecado na vida do homem primitivo, mas reconhecem também que não foi apagada a afinidade espiritual do homem com Deus, representada por característicos espirituais de Deus na sua natureza espiritual.

As aspirações religiosas do homem; o seu entendimento do desígnio divino nas obras da criação; a sua capacidade de sujeitar a terra e dominar os animais; os seus poderes criado­res, no aproveitamento das riquezas da terra; o seu regozijo no privilégio de comunicar-se com Deus, e assim receber a reve­lação da vontade do Criador para a humanidade; o reconheci­mento da providência divina na vida humana e as operações de Deus na história, segundo o seu plano predeterminado, são todas as conseqüências da imagem e da semelhança divina no espírito do homem.

Alguns pensadores modernos lutam com o problema de har­monizar a liberdade humana com a soberania divina, mas esta necessidade não se apresentou aos escritores do Velho Testa­mento. Certamente não pensavam que a vontade humana ficava fora da influência da vontade divina, enquanto, de outro lado, aceitavam a liberdade e a responsabilidade moral como fatos estabelecidos pela experiência. Observando os movimentos da sua própria história, os profetas tinham certeza de que o Senhor era soberano em Israel, e em todas as nações do mundo.

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“Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos dará; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.” Lucas 6:38

SOBRE O AUTOR:
Josias Moura de Menezes

É formado em Teologia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Licenciatura em Matemática. É especialista em Marketing Digital, Produção Audiovisual para Web, Tecnologias de Aprendizagem a Distância, Inteligência Artificial, Jornalismo Digital e possui Mestrado em Teologia. Atua ministrando cursos de capacitação profissional e treinamentos online em diversas áreas. Para mais informações sobre o autor <clique aqui>.

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2 comentários em “Texto 04. Teologia do Antigo Testamento: A ORIGEM, A NATUREZA E O DESTINO DO HOMEM.”

  1. Dou graças a Deus por ter acessado este site com estudos maravilhoso da palavra de Deus ;que o todo poderos possa continuar abençoando-lhe e toda sua parantela e que seu ministério seja frutifero.

  2. QUE DEUS EM CONTINUE ABENÇOANDO ESTE MINISTERIO COM TODA SORTE DE BENÇÃOS NAS REGIOÕES CELESTIAIS.ESTOU SENDO EDIFICADO POR TODOS OS ESTUDOS E QUE ESTAS FERRAMENTAS ME AJUDARAM A ENGRANDECER O NOME DE DEUS .

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2 comentários em “Texto 04. Teologia do Antigo Testamento: A ORIGEM, A NATUREZA E O DESTINO DO HOMEM.”

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